Trezentas e sessenta e cinco páginas, mil e quinhentos exemplares, quatro fotografias, cento e tal poemas, um dos livros que mais esperei nos últimos tempos: Poesia, de Eugenio Montale. A selecção, tradução, prefácio e notas são de José Manuel de Vasconcelos, que fez um belíssimo trabalho e a edição é da estimada Assírio & Alvim. Da página 75:
Ossos de choco
Não nos peças a palavra que esquadrie de cada lado
o nosso informe espírito, e em letras de fogo
o declare e resplenda como um croco
perdido no meio de um poeirento prado.
Ah, o homem que vai partir seguro,
dos outros e de si mesmo amigo,
e não quer saber da sombra que a canícula
imprime sobre um degradado muro!
Não nos peças a fórmula que mundos possa abrir-te,
e sim algumas torcidas sílabas secas como ramos.
Apenas isto hoje podemos incutir-te
aquilo que não somos, o que não desejamos.