De entre as imagens contra a guerra, a enorme fotografia feita por Jeff Wall em 1992, intitulada «Fala dos Soldados Mortos (Uma visão depois de uma emboscada de uma patrulha do Exército Vermelho perto de Moqor, no Afeganistão, Inverno de 1986)» parece-me ser exemplar pelo seu rigor e poder. A antítese de um documento, a imagem, uma transparência Cibachrome com cerca de dois metros de altura e quatro metros de largura, montada numa caixa leve, mostra algumas figuras numa paisagem, uma encosta estilhaçada, que foi construída no estúdio do artista. Wall, que é canadiano, nunca esteve no Afeganistão. A emboscada é um acontecimento inventado numa guerra selvagem muito falada nos noticiários. Wall fixou-se como tarefa imaginar o horror da guerra (cita Goya como inspiração), como na história da pintura do século XIX e outras formas de história-como-espectáculo que emergiram em finais do século XVIII e princípios do século XIX - pouco antes da invenção da máquina fotográfica - como os tableaux vivants, as figuras de cera, os dioramas e panoramas, que fizeram o passado, especialmente o passado imediato, parecer incrivelmente, perturbantemente real.
As figuras neste trabalho visionário com fotografia são «realistas» mas, obviamente, a imagem não o é. Os soldados mortos não falam. Aqui sim.
Treze soldados russos, envergando pesados uniformes de Inverno e botas altas estão distribuídos pela encosta esburacada, salpicada de sangue, delimitada por rochas soltas e pelo lixo da guerra: cápsulas de bombas, metal amolgado, uma bota com a parte inferior de uma perna? A cena poderia ser uma versão revista do final de J'Accuse de Gance, quendo os soldados mortos da Primeira Guerra Mundial se erguem das suas campas, mas estes soldados russos, massacrados no últitmo delírio de uma guerra solonial da União Soviética, nunca foram enterrados. Alguns ainda têm os capacetes postos. A cabeça de uma figura ajoelhada, falando animadamente, deixa sair como uma espuma os miolos vermelhos. A atmosfera é calorosa, convivial, fraterna. Alguns estão descontraidos, apoiados no cotovelo, ou sentados, a conversar, os crânios abertos e as mãos destruídas à mostra. Um homem inclina-se sobre outro deitado de lado numa postura de sono pesado, talvez encorajando-o a levantar-se. Três homens andam na brincadeira por ali: um deles, com uma enorme ferida no ventre está escarranchado em cima de outro, deitado de costas, que se ri para um terceiro, de joelhos, que faz oscilar diante dele uma tira de pele humana. Um soldado, de capacete, sem pernas, voltou-se para um camarada seu um pouco afastado, com um sorriso animado no rosto. Mais abaixo estão dois que não parecem muito prontos para a ressurreição e estão deitados de rosto para cima, as cabeças ensanguentadas pendentes na ladeira pedregosa.
Possuído pela imagem, tão acusadora, alguém poderia fantasiar que os soldados se poderiam voltar e falar connosco. Mas não, ninguém na imagem está a olhar para o espectador. Não há nenhuma ameaça de protesto. Não estão prestes a gritar-nos para pormos fim à abominação que é a guerra. Não voltaram à vida para tirarem a mordaça e denunciar os que fazem guerras e os mandaram matar e ser mortos. E não são representados como assustadores para os outros, pois no meio deles (no canto esquerdo) está sentado um saqueador afegão vestido de branco, inteiramente absorvido na tarefa de rebuscar o bornal de um deles, em quem eles nem reparam, e acima deles na borda da imagem (topo direito) na vereda que serpenteia pela colina abaixo estão dois afegãos, talvez também soldados, que, a julgar pelas kalashnikovs amontoadas as pé deles, já despojaram das armas os soldados mortos. Estes mortos mostram-se supremamente desinteressados dos vivos: daqueles que lhes tiraram a vida; nas testemunhas - e em nós. Porque haveriam de buscar o nosso olhar? Que teriam eles para nos dizer? «Nós» - este «nós» são todos aqueles que nunca viveram nada de semelhante àquilo por que eles passaram - não compreendemos. Não entendemos. Não podemos realmente imaginar como a guerra é terrível, como é ateradora; e como se torna normal. Não podemos compreender, não podemos imaginar. É o que sente obsessivamente cada soldado, cada jornalista, cada socorrista, cada observador independente que já esteve alguma vez esteve debaixo de fogo e teve a sorte de iludir a morte que se abateu sobre outros ao lado dele. E têm razão.