[...] o olhar mais notável sobre os horrores da guerra e a vileza da soldadesca desvairada é o de Goya em princípios do século XIX. Los Desastres de la Guerra, uma sequência numerada de oitenta e três gravuras feitas entre 1810 e 1820 (e publicadas pela primeira vez, com excepção de três das gravuras, publicadas em 1863, trinta e cinco anos depois da sua morte), representa as atrocidades cometidas pelos soldades napoleónicos que invadiram a Espanha em 1808 para subjugar a insurreição contra a dominação francesa. As imagens de Goya emocionam quem as vê quase até ao horror. Todas as armadilhas do espectacular foram suprimidas: a paisagem é uma atmosfera, uma escuridão, a bem dizer apenas esboçada. E a série impressa de Goya não é uma narrativa: cada imagem, acompanhada por uma pequena frase lamentando a iniquidade dos invasores, a monstruosidade dos sofrimentos que infligiam, vale por si própria, independentemente das outras. O efeito cumulativo é devastador.
A crueldade macabra dos Desastres da Guerra tem por finalidade despertar, chocar, ferir o espectador. A arte de Goya, como a de Dostoievski, parece ser um ponto de viragem na história dos sentimentos morais e da dor - igualmente profunda, original, exigente. Com Goya, entra no mundo da arte um novo padrão de sensibilidade ao sofrimento. (E novos temas para sentimentos análogos: como, por exemplo, a sua pintura de um trabalhador ferido a ser levado do local de construção.) O relato das atrocidades da guerra está construído como um assalto à sensibilidade de quem as vê. As frases expressivas manuscritas por baixo de cada imagem são um comentário sobre essa provocação. Enquanto a imagem, como toda a imagem, é um convite a olhar, a legenda, as mais das vezes, insiste na dificuldade de o fazer. Uma voz, presumivelmente a do artista, atormenta o espectador: és capaz de olhar para isto? Uma legenda diz: No se puede mirar. Outra diz: Esto es malo. Outra replica: Esto es peor. Outra brada: Esto es lo peor! Outra clama: Bárbaros! Grita outra: Que locura! E outra: Fuerte cosa es! E outra: Por quê?