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Em certos momentos, Notas sobre o Cinematógrafo parece um diário; noutros, a exposição de um credo estético; noutros ainda, poema em prosa. Mas sempre o mesmo despojamento, próprios de um homem que, ao mesmo tempo, sabe para onde vai e se deixa surpreender pelo que encontra no caminho. Seria possível escolher um fotograma para cada aforismo bressoniano (e poucas obras como as suas se decompõem tão transparentemente em fotogramas), mostrando assim que há uma continuidade absoluta entre obra escrita e filmada, e fazendo mesmo um paralelo com Cocteau, que dividia a sua obra em «poesia cinematográfica», «poesia dramatúrgica», «poesia romanesca», e por aí adiante. Também em Bresson não há verdadeira separação entre as duas facetas, e estas Notas são, certamente, parte importante da obra do cineasta. Nenhuma tentativa de justificação, nenhuma vaidade, apenas por vezes a atitude de quem sabe que está a criar uma obra que importa, e que, por isso , não se preocupa com falsas modéstias nem com agradar a todos. Porque a continuidade entre os filmes e este livro prolonga-se na continuidade entre obra e artista, ou melhor, entre a obra e o homem. Se a arte de Bresson é, no sentido mais nobre, arte religiosa, ela não pretende reverter ao anonimato do construtor de catedrais. É uma obra posterior à noção do sujeito, ao estatuto de artista. É, por isso, uma obra espantosamnte individual, mesmo na sua universalidade.
Bresson não foi um pioneiro nem um discípulo, mas um artista do visível que não se contentava com o visível. Estilo pensado, ideias claras, exigência ao serviço de uma verdade, subtileza, abertura ao mistério, verdade interior e não aparente: eis o seu modo único de estar nessa arte do século que foi o cinema. Não só nos filmes, mas também nestas imprescindíveis Notas sobre o Cinematógrafo