Sentei-me junto à varanda com o livro de Larkin nas mãos à procura de um poema para dedicar à Zazie. A tarefa é tão difícil. Eliminei os maiores, os mais bucólicos, e os que já foram publicados aqui; ultrapassei "Simpatia em branco maior" e "Seja assim o poema"; decidi-me pelo famoso "Annus mirabilis" — uma espécie de sombra para um dia de sol quente —, traduzido para português por Rui Carvalho Homem:
Annus mirabilis
Só começou a haver sexo
em mil nove e sessenta e três
(Para mim, tarde de mais) —
Entre o fim do interdito
De Lady Chatterley's Lover E o primeiro LP dos Beatles.
Até então, tinha sido
Uma espécie de regateio
Por uma aliança e um parceiro,
Vergonha que tinha início
Ao chegar aos dezasseis
E alastrava sem freio.
E de repente, acabou:
Sensações iguais p'ra todos,
E cada vida a tornar-se
Por igual, sem distinção,
A sorte grande; um jogo
De fortuna e sem azares.
Não há vida como após
Mil nove e sessenta e três
(Para mim, tarde de mais) —
Entre o fim do interdito
de Lady Chatterley's Lover E o primeiro LP dos Beatles.