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Janela Indiscreta
 
quinta-feira, abril 22, 2004  

A Bela Adormecida, de Robert Walser

E assim chegamos ao fim desta formidável história. Antes que a sopa fique fria, como diz a Bela Adormecida. Apenas um pormenor nos fica atravessado, é que depois da segunda fala o Forasteiro deveria passar a ser nomeado príncipe. Ou talvez não, talvez seja Walser o verdadeiro princípe. Sim, Robert Walser é o nosso Príncipe.

Bela Adormecida:
Diz, como vieste aqui ter?
Não tens olhos como o mar?
Foram ondas a trazer-te
ou caíste-nos das nuvens?

Forasteiro:
Sou assim tão indesejado?

Bela Adormecida:
Por assim me perturbares
o meu agradável sono.

Forasteiro:
Não será o real também
um sonho, não seremos todos,
apesar de igualmente
agirmos acordados, algo
sonhadores, sonâmbulos
em pleno dia, que brincam
com ideias e agem como
se estivessem acordados?
A nós conduz-nos um Deus
constantemente pela mão;
se o não fizesse, onde
é que iríamos parar?
Teremos garantia de
nos podermos valer sem o
Altíssimo, de poder
subsistir sem auxílio,
que apenas apercebemos
por ser para nós um enigma?
Tudo é sonhável: as nossas
casas, trabalho, negócio,
o sustento diário, as
cidades, os campos e
a luz e o sol. E ninguém
pode afirmar que compreende.
O entendimento aparece
sempre fragmentado, nunca
de outro modo.

Rei:
Primeiro dá-nos informações.

Forasteiro:
Pois sabei: aborrecia-me
na corte de meu pai; um dia
pus-me a andar, para saber o que é
a vida; e quando estava cansado,
dormia algures sobre a terra
dura, e depois prosseguia;
se alguém me barrasse o caminho,
defendia-me; e foi então
que ouvi falar de ti.

Bela Adormecida:
De mim?

Forasteiro:
Diziam que
dormias numa torre, envolta
em rosas bravas e espinhos,
e que estavas encantada;
só quem lograsse chegar
junto a ti, te livraria.

Bela Adormecida:
Despertou isso por certo
a tua curiosidade.

Forasteiro:
Claro que me apetecia
tentar o feito. Prossegui
viagem e, apesar de
nunca te ter visto,
tinha-te sempre diante
de mim em espírito,
acompanhavas-me os passos,
e à noite passava o tempo
imaginando como eras
doce e amorosa e como
seria maravilhoso
impressionar-te para que
me estimasses um pouco,
atrair-te a mim com força,
com muita força, e que tu
pensasses de mim ser eu
para ti algo aceitável.
E, agora eis-me aqui, um tanto
canhestro, mas que importa
dede que aqui esteja em
pessoa, como de facto estou.
Continuei viagem e
cheguei aqui e penetrei,
sem pensar muito, na turba
envolvente, e logo, como
se soubessem que era chegado
o momento, os espinhos
se separaram, de modo
que encontrei o caminho
sem entraves e pude então
correr para ti; vi-te e
beijei-te, e então abriste
os olhos.

Bela Adormecida:
espantada com
o temerário intruso?

Forasteiro:
Muitos dos que menos sorte
tiveram do que eu, vi-os
deitados no chão; alguns
pareciam sorrir, como
se estivessem felizes
naquela morte, à conquista
de um prémio tentador.

Bela Adormecida:
Oh coitados, os valentes
que ousaram desprezar a
vida, a quem pareceu mais belo
resolver um problema,
conquistar honra e amor,
do que existir com menos
dignidade e valentia.
Lembrar-me-ei disto toda a
vida, e este pensamento
deverá animar-me como
o perfume das flores;
desgraçada serei se não
pensar constantemente nisto,
para mim igual a respirar.

Forasteiro:
Claro, sem dúvida, e eu
deveras envergonhado
por ser tão bem sucedido
agora à tua frente —

Bela Adormecida:
quando tantos bons tiveram
de morrer, tantos que, como
tu tão fervorosos, por mim
ansiavam, que, de olhos
azuis brilhantes e cabelo
louro, de ânimo puro,
de peito jovem cheio de
ímpeto juvenil para
ganhar a esta vida o seu
encanto, me disputavam —
tu apenas me alcançaste;
não lho concedeu a eles
o destino. Não quero isso,
portanto lutamos em vão,
mesmo que gigantes se metam
de permeio. Fortuna! Pff!
Por momentos fiquei quase
de mau humor, vê lá! Porém
começo a acreditar que tens
direitos sobre mim, e é
justo que agora te pertença.

Raínha:
Não quererás pensar melhor
sobre esse passo? Medita
no que estás a prometer.

Bela Adormecida:
Se pensasse nisso muito
mais tempo, no fim perdia-lhe
o gosto. Não, estou em total
acordo comigo mesma
e agora ele é o meu senhor,
embora gostasse de ter
imaginado diferente
o herói, bem mais formoso,
mais gentil e elegante,
mais arrebatador também,
e, em certo sentido, mais
altivo, ai, não devo dizê-lo,
tenho de aceitá-lo como é,
e faço-o com muito gosto.

Forasteiro:
Teu galante servo de sempre!
E se acaso só te semi-
-agradasse e tu quase
tivesses de forçar-te a
olhar-me e amar-me e
tolerar-me, então digo-te
o que diz um provérbio francês:
L’appétit vient en mangeant..
Espero conseguir satisfazer-te.

Bela Adormecida:
Assim seja! Toquem música e
alegremo-nos todos juntos.
O sol brilha, o céu está azul
e os ventos refrescam-nos.
O palácio está agora
vivo. Todos nós queremos
doravante confiar
seriamente uns nos outros e
ajudar prontamente onde
se mostre necessário,
viver satisfeitos uns com
os outros e, em resumo,
construir desta maneira
uma sociedade próspera.

Rei:
Não falas nada mal, filha,
estou de acordo.

Raínha:
eu também.

Forasteiro:
e eu, pois doutro modo não
podia ser.

Bela Adormecida:
Também eu, pois que sem mim
certamente não podia.

Forasteiro:
Não, não podia.

Bela Adormecida:
Mas assim poderá.

Forasteiro:
Sim, assim poderá.

Bela Adormecida:
Continuando a falar
fica-nos a sopa fria;
paremos portanto e toca
de ir juntos para a mesa.
Posso pedir-te que me dês
o braço?

Forasteiro:
E assim teríamos um final
agradável com um casório
feliz.

FIM



Gata Borralheira, Branca de Neve, Bela Adormecida, de Robert Walser, traduzidas por Célia Henriques e editadas pela & etc em 2000

posted by Anónimo on 20:57


 
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