É difícil falar sobre os filmes de Tarkovksy. Posso falar das cores de “Nostalghia”, que são belas e ao mesmo tempo aguadas e luminosas, parecem pintadas; ou então falar dos personagens, Gorchakov, perdido dentro de si próprio, ou Domenico, perdido na humanidade. Posso falar dos espaços: da piscina de Santa Catarina com os seus vapores ou da casa de Domenico com o espelho, as garrafas e a chuva. Posso falar dessa arquitectura da decomposição, das igrejas sem tecto, submersas, das casas invadidas pela água, pelo fogo ou pelas ervas, pelo musgo, uma arquitectura roída, escaqueirada pelo tempo. Ou ainda do cão que segue o Stalker e segue Domenico, das imagens da infância, das árvores, dos objectos partidos, rasgados…
Mas nada disto é suficiente porque o que há nos filmes de Tarkovsky de mais importante é indizível. Numa das cenas de “Nostalghia” Gorchakov encontra uma rapariguinha, não se sabe de onde ela veio, de outro tempo talvez (“o cinema é um mosaico de tempo”, diz Tarkovsky). Ela senta-se numa pedra, com as pernas cruzadas, tão pequena e no entanto tão segura, frente a Gorchakov que já está um bocado bêbado e vacila. E então Gorchakov bêbado e com água pelos joelhos conta-lhe um segredo:
— Sabes, nas grandes histórias de amor, nos clássicos? Não há beijos… não há beijos… nada de nada… são puríssimas. É por isso que são magnifícas. Os sentimentos não expressos em palavras não se esquecem nunca.