São todas personagens trágicas. À excepção da mendiga, que está para além da tragédia, porque não sabe nada. Tenho de falar da mendiga durante a rodagem. Ela não existia. Havia uma pequena banda-sonora que tinha repicado, que uma estudante do Laos tinha gravado na televisão. Os actores, a equipa precisavam de ouvir esta jovem rapariga. Punhamo-la muitas vezes. Tornou-se como um tabu, sagrada, quando ela falava, cantava, descarrilava todos se
calavam. A personagem principal de "India Song", o satélite à volta do qual tudo gira, posso dizer que é a mendiga. Que destino!
O trabalho mais moroso foi o das vozes. Mais do que a montagem - a montagem das imagens. Gravei sons por todo o lado: em igrejas, lugares muito ruidosos, em caves, corredores, na minha casa, um pouco por todo o lado... Sempre fui muito sensível às vozes ouvidas por acaso, fragmentadas, em lugares públicos, em cafés, nos pátios dos prédios, muito alta, das crianças que brincam, das pessoas que falam, mesmo só por um instante. Em Paris abro as janelas no Verão. Faço-o frequentemente. Para ouvir estes rumores.
Penso que elas afirmam Calcutá. Afirmam a embaixada de França. Afirmam a Ásia, como os pássaros, que são terríveis em "India Song"; gritam todos como aves de rapina.
Sabe, a mendiga, não sabemos o que diz. Das conversas, percebemos um bocadinho. "India Song" é um filme em parte - 80% - surdo e cego: não vemos ou vemos muito mal. E não ouvimos ou ouvimos muito mal. Há vozes que emergem. Desta desordem. Desta noite. Desta surdez. São muito raras. Mas quando as ouvimos, é uma festa!