No Brasil, usa-se a expressão "última flor do Lácio" para designar a língua portuguesa. Normalmente, é invocada ("Última flor do Lácio, inculta e bela") para defender o idioma ou dos maus tratos a que é sujeita pelos utilizadores ou dos ataques pelo abuso de estrangeirismos. E é curioso porque a expressão nunca é usada em Portugal, suponho que para a maioria dos portugueses ela não dirá nada.
Supostamente ela explica-se porque sendo o Lácio o nome em português da região de Itália onde fica Roma, a língua portuguesa foi a última das línguas derivadas do latim a formar-se, e daí ser a "última flor do Lácio".
Quem cunhou a expressão foi o poeta brasileiro Olavo Bilac, num soneto intitulado justamente LÍNGUA PORTUGUESA, e que é assim:
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela.
Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O génio sem ventura e o amor sem brilho!
Não obstante a referência camoniana da última estrofe, não parece que Camões alguma vez tenha falado na "última flor do Lácio" e, por isso, e contrariamente ao que muitos brasileiros pensam (digo eu, sei lá) o 'pai da criança' é mesmo o Olavo Bilac.
Apesar dos portugueses não conhecerem a expressão, só por distracção nunca repararam nela, pelo menos os que gostam do Caetano Veloso. É que numa das mais conhecidas, carismáticas e amadas pelos portugueses canções do Caetano, a expressão é usada e repetida.
Falo, naturalmente, de LÍNGUA, o famoso rap do álbum Velô, de 1984. Uma canção que, curiosamente, ajudou a devolver a Portugal o gosto por Pessoa. E onde no refrão se fala da "última flor do Lácio". Que, afinal, também é o lugar da minha pessoana pátria:
Gosto de sentir a minha língua roçar
A língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar
A criar confusões de prosódia
E um profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior
E quem há de negar que esta lhe é superior
E deixa os portugais morrerem à míngua
Minha pátria é minha língua
Fala Mangueira
Fala!
Flor do Lácio Sambódromo
Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode
Esta língua
Vamos atentar para a sintaxe paulista
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas
Cadê? Sejamos imperialistas
Vamos na velô da dicção choo choo de Carmem Miranda
E que o Chico Buarque de Hollanda nos resgate
E Xeque-mate, explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homem
Sejamos o lobo do lobo do homem
Adoro nomes
Nomes em Ã
De coisa como rã e ímã...
Nomes de nomes como Scarlet Moon Chevalier
Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé, Maria da Fé
Arrigo Barnabé
Flor do Lácio Sambódromo
Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode
Esta língua
Incrível
É melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível filosofar em alemão
Se você tem uma ideia incrível
É melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível
Filosofar em alemão
Blitz quer dizer corisco
Hollywood quer dizer Azevedo
E o recôncavo, e o recôncavo, e o recôncavo
Meu medo!
A língua é minha Pátria
E eu não tenho Pátria: tenho mátria
Eu quero frátria
Poesia concreta e prosa caótica
Ótica futura
Samba-rap, chic-left com banana
Será que ele está no Pão de Açúcar
Tá craude brô, você e tu lhe amo
Qué que'u faço, nego?
Bote ligeiro
Nós canto falamos como quem inveja negros
Que sofrem horrores no Gueto do Harlem
Livros, discos, vídeos à mancheia
E deixa que digam, que pensem,que falem.