domingo, janeiro 11, 2004
Termino esta curta viagem a São Petersburgo com mais um poema de Anna Akhmátova (também retirado de “Só o sangue cheira a sangue”, da Assírio & Alvim), dedicado a Ossip Mandelstam (que nasceu no dia 15 de Dezembro de 1891 e morreu (talvez) no dia 27 de Dezembro 1938, numa prisão na Sibéria ou a caminho dela); e ainda com o convite para outros poemas (infelizmente disponíveis apenas em alemão) e fotografias: convém vestir agasalhos, está frio na cidade branca, façam o favor, a entrada é por aqui...
Vorónej*
Toda a cidade imóvel e gelada.
Árvores, muros e neve sobre vidro.
Piso cristais a medo, o desfilar
dos trenós ornados é indefinido.
Sobre a catedral de Pedro voam gralhas,
erguem-se álamos, o verde-claro da abóbada
desbotada, baça, em poeiras de sol.
Sopram batalhas de Kulikovo os declives
da terra pujante e vitoriosa.
E os álamos tilintam sobre nós
com mais força, como taças a brindar,
como bebessem nas bodas à nossa
alegria convidados aos milhares.
No quarto do poeta em desgraça fazem
a Musa e o medo, por turnos, sua velada,
e continua a noite
que não conhece madrugada.
Anna Akhmátova, 1936
* Ossip Mandelstam passou três anos (1935-1937) exilado em Vorónej, região a oeste da Rússia, na fronteira com a Ucránia. "Cadernos de Vorónej" é o nome do seu último livro, mais pormenores aqui.