quinta-feira, janeiro 29, 2004
Ninguém me mandou atravessar a rua
Ninguém me mandou atravessar a rua, ninguém me mandou parar a olhar para a montra. Foi esse o meu erro. Vi “A harpa de ervas” e gosto tanto do livro e é tão raro vê-lo assim, à venda, ao lado de outros livros, que resolvi observar tudo com minúcia, quem sabe o que encontraria? Por exemplo, mais abaixo, uma edição de Jerome K. Jerome acrescentava aos “Três homens num bote”, uma espécie de subtítulo entre parêntesis, assim: (sem falar do cão). Aproveito e recupero a frase que, infelizmente, escapou às edições posteriores.
A montra revelava-se cada vez mais interessante e o melhor estava para chegar: do outro lado, entre muitas lombadas descortinei “Antes que o galo cante” de Cesare Pavese, edição de 1959 da Arcácia, uma capa dura, amarelo torrado, por três euros e meio. Era a hora do almoço, o alfarrabista estava fechado. Ainda pensei ficar à porta à espera mas ri-me da minha figura, "ninguém vai dar conta do Pavese aqui tão sossegado, ninguém que passe na Rua Formosa sabe quem é o Pavese, volto antes das sete". E voltei e o Pavese estava à minha espera. A história já é suficientemente feliz e devia acabar aqui mas não é que entrando na loja senti, não, não senti, cheirei mesmo, sim é aqui que está a “Zazie no Metro” e estava: edição do Círculo de Leitores de Março de 1974, tradução de Alexandre Rodrigues. Na capa dura uma miúda a preto e branco sobre uma parede castanha, folheio-o e desconfio que nunca foi lido, também estava à minha espera…
— Ah! Paris! – proferiu, num tom encorajante. — Que bela cidade! Olha-me para isto, como é belo!
— Estou-me marimbando – replicou Zazie —; eu o que queria era ir no Metro.