Nos terríveis anos do ejovismo(1) passei dezassete meses nas bichas da cadeia de Leninegrado. Uma vez, até alguém me «reconheceu». Por esta altura, uma mulher de lábios azuláceos que estava atrás de mim, e que de certeza nunca ouvira sequer pronunciar o meu nome, despertou da letargia própria de todas nós e perguntou-me ao ouvido (ali toda a gente sussurrava):
— Pode contar isto?
Respondi:
— Posso.
Então, uma espécie de sorriso deslizou por aquilo que outrora fora o rosto da mulher.
Anna Akhmátova, Abril de 1957, Leninegrado
“Só sangue cheira a sangue”, tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra, edição da Assírio & Alvim
(1). De Ejov, chefe da polícia secreta (NKVD — comissariado popular dos assuntos internos), antecessor de Béria, e que, tal como este, foi no seu tempo o braço direito de Stáline. (N. da T.)
posted by Anónimo on 13:25