terça-feira, janeiro 27, 2004
Fui ver "Lost in Translation" na quinta-feira passada, mas a agitação provocada pelo "Sétimo Selo" não me permitiu exprimir-me. Gostei muito de "Lost in Translation", também pelas razões que li ao Tó. Agradou-me particularmente o facto de Bob e Charlotte serem pessoas inteligentes. Charlotte, ainda por cima, enverga um snobismo taciturno verdadeiramente encantador - a cena em que ela se levanta muito naturalmente da mesa a meio de monólogo acéfalo de Kelly ficará guardada na minha memória em "actos heróicos vistos no cinema". Numa outra leitura, paralela e indissociável da "não-história" de Bob e Charlotte, penso que "Lost in Translation" é uma sublime representação do homem na vida. Tóquio é estranho para dois ocidentais como o mundo nos é estranho tantas vezes, não poucas vezes, ao longo da existência, tanto mais estranho quanto é suposto ser familiar. A cidade é o mundo. E o encontro precário e necessário destas duas pessoas, visto a uma distância crítica, será sempre o encontro da nossa própria fugacidade. As situações a consumar e a não deixar pendentes somos nós. Daí que o alcance da quietude deste filme, de tudo o que não é dito e de tudo o que não é mostrado, seja intuitivo e instintivo em nós - por todas as outras razões eu teria visto um filme muito muito muito bom, mas por estas vi uma obra-prima.