segunda-feira, janeiro 12, 2004
Antigos Mestres, uma comédia de Thomas Bernhard
A Alexandra já leu. Eu acho que Thomas Bernhard é um dos escritores mais perigosos que já li, e isso tem muito a ver com o seu método de explorar tudo aquilo de que fala até um limite dificilmente suportável,disse ela.
Eu comecei no fim-de-semana e ando às voltas, cinquenta, sessenta, setenta páginas de cada vez e um descanso depois, acabo logo à noite. Lê-se de fôlegos grandes, quase em voz alta, com sorrisos e até gargalhadas, por causa do sarcasmo, da ironia, daquele retrato de um país tão odiado ou da benevolência com o sul (ah, fosse ele português e mudaria de opinião, aposto), mas lê-se também com um certo desconforto porque não há meta com Bernhard, desde o princípio que sabemos disso, não vamos chegar a nenhum lado, é só caminho, não vamos ganhar nada, pelo contrário acabamos de mãos a abanar, ainda mais vazias. Mas mesmo assim ou por causa disso (sim, por causa disso) gosto do modo descontrolado como ele se deixa ir e nos leva até esse limite insuportável de que fala a Alexandra. Gosto dos recursos de malabarista e do ritmo das frases: as repetições, as obsessões, as contradições e a música, sempre a música.
Não sigo uma ordem cronológica, comecei o meu percurso com ?O sobrinho de Wittgenstein ? Uma amizade? (edição da Assírio & Alvim), depois ?O Náufrago? (da Relógio d?Água), li os poemas de ?Na Terra e no Inferno? (Assírio & Alvim) e agora entreguei-me aos ?Antigos Mestres - Comédia? (também da Assírio & Alvim e diga-se que as traduções, notas e prefácios de José A. Palma Caetano são excelentes). Desde o primeiro livro fiquei fascinada com o Thomas Bernhard mas ainda não sei porquê, nem sei se quero descobrir. Neste livro ele avisa-nos que não devemos ler tudo totalmente e estou decidida a não o fazer. É isto a sedução, não é?
Não gostamos de Pascal por ele ser tão perfeito, mas por ele ser no fundo, tão fraco, tal como gostamos de Montaigne por causa da sua fraqueza, que andou a vida inteira à procura sem nunca encontrar, Voltaire por causa da sua fraqueza. Gostamos da filosofia e de todas as ciências de espírito só porque elas são de uma absoluta incapacidade. Na verdade só do que nós gostamos é dos livros, que não são nenhum todo, que são caóticos, são indefesos. E assim acontece com tudo, disse Reger, a uma pessoa também nos afeiçoamos de uma forma muito especial porque ela é fraca e não é nenhum todo, porque é caótica e não é perfeita.