Na cultura, há públicos "circunstanciais", "relativos", e "habituais", há os "irregulares", os "retraídos" e os "cultivados", e ainda os públicos "displicentes". Definir quem enche - ou não - as salas de espectáculos, museus e outros espaços culturais em Portugal não é fácil. Mas foi isso que um grupo de quase 20 académicos tentou fazer.
"O público não existe; cria-se", começou por dizer José Manuel Paquete de Oliveira, professor do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), no primeiro dia do encontro "Públicos da Cultura", organizado pelo Observatório das Actividades Culturais (OAC), no Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, na segunda-feira.
Ao usar um aforismo bastante conhecido, Paquete de Oliveira diz que um público é uma legitimação para a oferta. Muitos dos públicos existentes foram criados, nomeadamente por instituições, e por isso a existência de alguns públicos está directamente ligada a um espaço físico.
Na Expo 98 integrou-se numa política cultural assente em eventos, como forma de dinamização da cultura que visava formar novos públicos. O problema é que, muitas vezes, esses públicos são apenas circunstanciais.
Rui Telmo Gomes, investigador do Observatório das Actividades Culturais, num estudo feito a propósito da Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura (também assente numa "política cultural de eventos"), chegou à conclusão que existe um tipo de "públicos da cultura" que, apesar de ter sido cativado pelo evento (pelo seu carácter excepcional e festivo), deixou, a seguir, de frequentar actividades culturais. Esses são, concluiu Telmo Gomes, os "públicos displicentes", pessoas que, apesar de terem recursos económicos elevados, não frequentam actividades culturais com regularidade.
Mais de dez tipos de públicos
Os públicos da cultura serão, antes de mais, grupos diferenciados num grupo homogéneo da sociedade portuguesa.
Mas a tipologia inclui muitas outras categorias, como os "públicos cultivados" e os "públicos relativos". Os primeiros são "mais diferenciados" e é onde é "mais clara a regularidade das práticas culturais", diz Telmo Gomes. E estes são os chamados "breves consumidores culturais" - os que vão primeiro.
Os segundos, os chamados "públicos relativos", têm recursos reduzidos e "práticas culturais frágeis". Além disso, há ainda pelo menos mais três grupos, defendeu João Miguel Teixeira Lopes, professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto: os habituais, os irregulares e os retraídos. Os "públicos habituais" são compostos por um pequeno círculo minoritário, com alto nível escolar e padrões de gosto eclécticos (aqui estão incluídas as pessoas do mundo artístico). Para estes, a recepção cultural é feita com conhecimento dos códigos, das correntes e da história da arte.
Os "públicos irregulares", como o nome indica, não frequentam de forma regular o mundo da cultura e o seu modo de relacionamento com a arte é "espontâneo", com apelo à sua experiência pessoal. No grupo dos "retraídos" estão os públicos sob influência mediática, com uma recepção "distraída e incompetente dos eventos culturais", disse Teixeira Lopes.
O sociólogo José Madureira Pinto, docente da Faculdade de Economia do Porto, diz que "o universo dos praticantes culturais é restrito", sendo que "a relação dos públicos com a cultura não é independente dos lugares" - a sua relação com a cultura varia conforme o local onde se experiencia determinado acontecimento cultural. Os públicos parecem, assim, fazer-se na sua relação com os eventos culturais, isto é, do lado da recepção.
Os públicos mais fidelizados são aqueles que têm regularidade nas práticas culturais, os que frequentam regularmente eventos ou espaços culturais. O seu alargamento faz-se pelo recrutamento de novos públicos através de familiares e amigos. Além disso, sempre que surgem "novos media", surgem "novos públicos" (novos media dinamizam uma nova cultura - a "cultura mediática") cujo melhor exemplo são os "media electrónicos", nomeadamente a internet. Neste sentido, Paquete de Oliveira diz que "a internet é uma nova forma de cultura introduzida na vida 'off-line'". Mas a mediatização da cultura veio também facilitar a inteligibilidade da arte e aumentar os potenciais públicos da cultura.
A definição de "público" não é fácil mas a de "cultura" também não. Dentro deste conceito está a "nova atitude pós-moderna" que José Machado Pais, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, chamou de "cultura das boas festas" e que, actualmente, passa muito pelos novos media electrónicos. Trata-se de uma cultura efémera e fragmentada que, uma vez por ano, convoca os seus públicos: à já existente "cultura do consumismo", própria do Natal, agora há a figura do próprio Pai Natal com uma "identidade fragmentada" que surge por todo o lado a incentivar o consumismo - à porta das lojas, em anúncios de seguros e cartões de crédito, e na internet.