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Janela Indiscreta
 
sábado, novembro 29, 2003  
A propósito do livro “Albas”, recentemente editado pela Quasi e que reune uma colecção póstuma de escritos (poemas, frases, apontamentos) de Sebastião Alba, o Miguel enviou-nos alguns poemas e uma carta (que vou entregar ao Bartleby, para a sua colecção). Obrigada Miguel, passo-te a palavra:

o sorriso que deixa a vida irrecuperável

O Sebastião Alba foi, como outros grandes poetas do tempo português do estertor do império, um poeta de dois mundos, reclamado pelas histórias da literatura dos dois países onde viveu: Portugal e Moçambique. Em África, como o provam ensaios e colectâneas, o Sebastião Alba é considerado um dos nomes importantes das décadas de 60 e 70, que aliava o lirismo europeu à consciência nacionalista africana. Depois do regresso a Portugal, o Sebastião Alba fez a opção radical de viver à margem, acabando os seus dias de vagabundagem num estúpido mas quase adivinhado acidente.
Para além de “Albas”, tem publicados 3 livros de poemas, cada um deles refazendo os anteriores e acrescentando-lhes novos livros: “O Ritmo do Presságio” (edições 70), “A Noite Dividida” (Assírio & Alvim) e “Uma Pedra do Lado da Evidência” (Campo das Letras).


CIDADE BAIXA

Nas manhãs em que o mar se recusa
mesmo do último andar do edifício
e o aroma do café
sai de chávenas conjugais nas outras flats
confidencio-me:
Passa à escolha doutro dia
este é como uma sombra
de pé, na cidade
e a cidade é o mundo.
Peço então ajuda
aos amigos mais desencontrados:
Socorro, Eugénio! Socorro, Fernando!
Carlos (Drummond), socorro!
E o meu grito é um cicio fixo
no pesadelo em que nada transcorre.
Mas os seus rostos
rodeiam-me a cabeceira
e eu aprendo neles devagarinho
o sorriso que deixa
a vida irrecuperável.


REINALDO FERREIRA

Antes de mim, já outros o fizeram.
Dominadores de mundos circunscritos,
só se submetem aos que consideram
ser do domínio fulvo dos seus mitos.

Se vivem, é para o desnudamento
da íntima direcção que em si arrua
os gelos vindos de um cabo do alento
duma promessa a uma verdade sua.

Antes de mim, já outros o fizeram.
Com o cinzeiro cheio, amanheceram
ante a escarpa do olhar dentro de si.

Na mesa do café, tardando à mesa,
à curva do seu fardo de beleza,
como à do meu destino, obedeci.


MAIS DO QUE DO OUTRO

Mais do que do outro o meu reino é deste mundo
mundo de desencontros marcados «slogans» que violam
os espaços aéreos de países castos
e se dissipam além dos limites naturais
um laivo incendiando as espirais do rasto
Mais do que do outro o meu reino é deste mundo
mas de uma província de incerta geologia
com uma história sem crónicas ou reis absolutos
a única a que a constituição se refere numa clave de sol
onde os cidadãos de todos os burgos
pulam à rua das mãos estendidas de deus
dessa nenhuma anexação polui a virgindade civil.

posted by Anónimo on 14:41


 
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