domingo, novembro 30, 2003 Lucet margaritum in sordibus
et fulgor gemmae purissimae etiam in luto radiat*
Francis Bacon, Head I, 1949
Oil and tempera on board, 103 x 75cm. Collection of Richard S, Zeisler, New York)
”I’m an independent judge of despair,
which I know that life is, from birth to death.”
Francis Bacon (1909-1992)
Dono de si mesmo e tanto lhe bastou
Variação II sobre o tema “Agora é assim!”
Com três palavras, há uma interjeição moderna que reza o seguinte: “Agora é assim!”. O pior é que nunca “é assim”. Há porém uma arrogância sadia em tal brado, semelhante ao grito de guerra do patrão de hoje que passa aos súbditos aquele antegosto da vitória numa estratégia macroeconómica qualquer. Confesso não ter a energia e tempo necessários para lançar em lugar público os vocábulos mágicos dos que querem mandar. No quê? Ignoro. A que preço? Todos sabem. Por isso é grave o risco de quem vive na ignorância da indisciplina da gramática do triunfo. Que triunfo? Também não sei. Talvez por informação genética, sempre preferi a fidelidade ao caos aparente da intuição sensível, à precaução de quem a oculta nos relicários das perfídias diárias. É certo que o “homem prático” sempre teve aposentos apadrinhados. O fenómeno não é novo. Mas volteia agora no ar uma peçonha por estudar, mais letal que a arma química. É cinzenta, como a estupidez cromática. Mas como poucos sabem da alquimia das cores, o virús anda por aí a saltarinhar sem que se ouçam o rebate dos carrilhões ancestrais. Tudo pândega. E contudo “fumar mata”. E depois? os lerdos também matam, sem que haja campanha preventiva. Amnésia fatal, mais fatal que alcatrão e nicotina.
“Agora é assim!”. Que uma vez ao menos tal exclamação se cumpra. Aqui. Finis. Quanto aos outros, os que se entretêm no faz-de-conta da distração diária, bem hajam. A sério. (Por acaso não sei se é a sério.) Não há pessimismo em tudo isto. Se assim fosse, existiria algures um optimismo opcional, que só a cegueira dos asnos de profissão teima em afiançar. Há lucidez e ponto parágrafo. Como disse o mesmo Bacon acima citado: – “I’m an optimist; I’m an optimist about nothing”. Em hora canalha, a minha gratidão para o meu filho João Miguel (que sempre esteve a meu lado) e para a minha família que teve a infinita paciência de me aturar oito anos, sem férias, fins-de-semana, feriados e demais ócios do calendário. (Não é uma confidência romântica; – é um testemunho amorosamente barroco). Reconhecimento ainda para quantos seguiram e apoiaram a fátua paixão que hoje se apaga. Finis.
Jorge Gil (1943- não sei) 29 de Novembro 2003
Texto publicado no programa de "L'appuntamento amoroso", último concerto Em Órbita
*Resplandece a pérola na imundície,
e o fulgor da gema puríssima brilha mesmo no lodo
posted by Anónimo on 13:19