sexta-feira, novembro 21, 2003
"ce n'était pas la peine"
Les Enfants é um filme delicioso que conta a história de Ernesto, um miúdo de sete anos apenas mas “imenso”, que um dia resolve que não quer ir à escola porque lá lhe ensinam coisas que ele não sabe. A frase deixa a sociedade perplexa, primeiro os pais, depois o professor e por fim o incrédulo jornalista.
Pouco a pouco os pais vão comprendendo o significado desta atitude, ou melhor, a mãe compreende, como ela diz “compreendo em silêncio”.
Os pais são as minhas personagens preferidas. Ele veio do Vale do Pó, onde se plantam as vinhas e ela do Cáucaso. Têm sete filhos, vivem de subsídios e abonos e comem batatas, principalmente salteadas com cebola. Batatas roubadas na vizinhança.
Também o professor se rende aos encantos filosóficos do rapaz que, lentamente, vai descobrindo tudo o que há a descobrir e, para além disso, que “não vale a pena”. Começamos por saber um bocado, depois mais um bocado e de repente tudo, explica Ernesto no seu modo desarmante. A química, a filosofia, todas as disciplinas e apesar disso “não vale a pena”.
A câmara perde-se em planos longos, devaneia pelo jardim, grava os pássaros e a bela música de Carlos d’Alessio, uma e outra vez.
Os actores são excelentes: Axel Bougousslavski (Ernesto), Daniel Gélin e Tatiana Moukhine (os pais), André Dussollier (o professor apalermado), Pierre Arditi (o jornalista céptico) e Martine Chevallier (a irmã Jeanne). São todos adultos e representam como quem faz uma festa, às vezes riem-se a meio das cenas porque os diálogos são de facto hilariantes e nós rimos com eles. Eu rio porque este não é de modo nenhum um filme vulgar, talvez desconcertante, cómico, belo, profundo. Sobre o quê? O amor, as palavras, o conhecimento, o silêncio. "Il se tait", diz a mãe.
A não perder, no domingo, no cinema King, em Lisboa.
Nota complementar – a ler: ”Chuva de Verão”, edição Livros do Brasil; a ver: "EN RACHÂCHANT”, dos Straub (se não me engano passou no circuito comercial junto com o Sicília)