Atravessei a cidade para ir ao Nun’Álvares ver “Um filme falado”. Domingo à tarde, o centro vazio, a Boavista com algum movimento junto aos centos comerciais. Paro junto à Duvália para tomar um café. Reparo que já há bolo-rei e decido comprar um. É o empregado que escolhe, olha para mim e pergunta-me se gosto de bolo-rei. Respondo que sim. “Então entre, vou buscar-lhe uma fatia. Acabei de o provar e ainda está morno e delicioso”, foi mais ou menos o que ele disse. E enquanto ele fazia o embrulho, eu comi aquela fatia do melhor bolo-rei da cidade. Atrás do balcão, com um sorriso na cara, a tentar medir o prazer dos melhores presentes, doces e inesperados.
Depois fui ver o filme e gostei. Gravei o último plano na memória: o espanto de Malkovich perante o inexplicável, a voz de Irene Papas. Acaba-se a chorar. Podia falar ainda do jantar babélico, ou das mulheres, que são todas muito belas, ou daquele plano do navio – creio que ao largo de Ceuta – e da onda que rebenta, do vestido azul no hotel no Egipto, do padre ortodoxo, mas não, não digo nada. Apenas a vontade de reler as palavras de Bénard da Costa.