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Janela Indiscreta
 
quarta-feira, outubro 01, 2003  
Outubro (III)

É uma das palavras mais antigas que conheço. A primeira e a última perspectiva. A perspectiva viciada. A guerra e a paz. No ano os meses dispõem-se num círculo. De Outubro olham-se todos os outros meses e em todos os outros meses Outubro está presente. O ano que passou. O ano novo.

Os anos sucedem-se em espiral. Este sobrepõe-se ao último, consagra o último, fecha e conclui o último, apaga o último, devolve-o ao tempo que o consome, corrompe e arruma. Segue-se em frente, segundo o arbítrio da memória, racional e irracional, segundo o capricho dos dias, da memória tirana do vento que sobrepõe as horas, o sol, o som das tardes, o cheiro da lenha, o frio, a chuva, os recantos sombrios da casa, o calor áspero da lã.

Chegam as romãs, as nozes, as avelãs. E os tabuleiros de batata doce, iguaria que os meus amigos do Norte dizem, com um esgar aterrorizado, ser uma coisa do Sul, uma coisa do paladar bizarro e da tradição incompreensível dos mouros.

Os pinheiros não perdem as folhas mas o cheiro da resina é ausente. Calam-se as cigarras ao meio-dia e os jardins estão desertos. Depois da chuva, a cidade amanhecerá quieta e luminosa e não conseguirei dormir com medo de perder o sol.

Dizem-me que é necessário viver cada estação, gostar dos contrastes, desejar o frio depois do calor. Gosto do mar agreste de Outubro, das praias desertas, do trânsito bloqueado e ruidoso, de invadir o espaço das gaivotas e que me gritem, que me inquietem, que o vento sopre frio e que a lua surja entre os ramos nus das árvores. E mais não sei.

Outubro é o mês das melhores esplanadas; por alguma razão, talvez porque os donos ainda esperam o Verão de São Martinho, permanecem armadas e desertas, as cadeiras vazias sob a ameaça da chuva, a luz cinzenta muito clara à espera de um livro. Um livro em que seja Verão outra vez. Um livro em que um filósofo angustiado vingue o fim do Verão e, só por isso, esmigalhe o mundo.

Até ao solstício de Inverno o tempo parecerá estagnado. Procuro o Spleen de Paris como as chaves de casa, em frente à estante desarrumada, em frente à porta. Não sei se gosto deste mês e do tempo que consagra. Sinto-me bem. É habitual, simples, luxuoso. Enrolo-me num cobertor. Hiberno. Esqueço-me dos dias que faltam até à longa noite após a qual o sol reconquista os dias e tudo principia a renascer; e anoto-os nas margens dos livros, distraída.

posted by camponesa pragmática on 02:54


 
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