quinta-feira, outubro 23, 2003
“…Ontem ao percorrer o flanco do vale, vi duas raparigas sentadas numa pedra: uma penteava-se, a outra ajudava-a; os cabelos de ouro pendiam, um rosto pálido e grave, apesar de tão jovem, e o vestido negro, e a outra aplicando-se com tanto cuidado. Dificilmente os mais belos e intimistas quadros dos velhos mestres alemães nos podem dar uma ideia desta cena. Por vezes gostaríamos de ter uma cabeça de Medusa para poder transformar em pedra um grupo como aquele e mostrá-lo às pessoas. Elas levantaram-se e a bela composição foi destruída; mas já quando desciam entre os rochedoss um novo quadro se formava.
Os mais belos quadros, as mais inspiradas composições formam-se e desfazem-se. Uma única coisa permanece: uma beleza infinita que passa de uma forma para outra, eternamente imperfeita, sempre em mudança. Mas nem sempre a podemos agarrar, pô-la nos museus, pô-la em música, e chamar então novos e velhos e deixar as crianças e os adultos alegrarem-se e conversar perante ela. É preciso amar a humanidade para penetrar na essência própria de cada um; ninguém, por muito insignificante,por muito feio que seja, deve ser desprezado. O rosto mais insignificante pode produzir uma impressão mais profunda do que a simples percepção da beleza abstracta e pode-se fazer emergir de dentro de si próprio as formas sem copiar nada de um modelo exterior em que não se sinta bater e pulsar nenhuma vida, nenhum músculo, nenhum pulso.”