terça-feira, outubro 28, 2003
«Amnésia in Litteris»
Trouxe este livrinho de um encontro BookCrossing. Tem três histórias e algumas considerações (sic). As duas primeiras foram as que mais me cativaram: Um Combate (no original, Ein Kampf, denunciando a alusão ao Mein Kampf) e O Imperativo de Profundidade.
Mas foram as considerações com que mais me diverti:
(...) Trata-se de um texto em prosa requintada, com uma claríssima organização das ideias, profusamente ilustrado com interessantíssimas informações ainda não reveladas e repleto das mais maravilhosas surpresas - infelizmente, no momento em que escrevo estas linhas não me ocorre o título do livro, nem tão-pouco o nome do autor ou o conteúdo; mas, como se verá de seguida, isso não tem qualquer importância, ou melhor: isso contribui, pelo contrário, para o esclarecimento do assunto. Trata-se, como disse, de um excelente livro que tenho aqui entre mãos, repleto de frases enriquecedoras; vou lendo e tropeço até à minha cadeira; continuo a ler e sento-me, esquecendo por que motivo estou afinal a ler; sou já apenas um desejo feroz e intenso, deleitado com a completa novidade que aqui descubro página a página. Não me incomodam os sublinhados aqui e ali, os pontos de exclamação rabiscados a lápis na margem - vestígios de um leitor anterior, o que geralmente não aprecio muito em livros - pois a narrativa avança tão palpitantemente e a prosa flui tão alegremente que já nem me apercebo dos vestígios a lápis. E se alguma vez dou conta deles, é apenas com um sentido de aprovação, porque o meu leitor anterior - não tenho a mais vaga ideia de quem seria - o meu leitor anterior, repito, colocou as suas exclamações sublinhadas justamente naquelas passagens que também me entusiasmam mais. Continuo a ler, portanto, duplamente enlevado pela extraordinária qualidade do texto e pela cumplicidade espiritual com o meu desconhecido antecessor; mergulho cada vez mais fundo no mundo imaginado e sigo com um espanto crescente os magníficos caminhos pelos quais o autor me conduz...
Até chegar a um ponto que provavelmente constitui o clímax da narrativa e que me faz soltar um sonoro «ah!». «Ah, que bem pensado! Que bem dito!». E por um momento fecho os olhos para reflectir profundamente sobre o que acabei de ler - o que logo desbrava uma vereda na confusão da minha consciência, abrindo-me perspectivas completamente novas que fazem confluir em mim novos conhecimentos e associações (...)! E, quase automaticamente, a minha mão procura o lápis e penso «Tens de assinalar isto», «Vais escrever na margem um 'muito bem' e colocar à frente um enorme ponto de exclamação e anotar com algumas palavras-chave o fluxo de pensamentos que este passo desencadeou em ti - como auxiliar de memória e como reverência documentada perante o autor que tão magnificamente te iluminou!».
Mas oh! Quando pouso o lápis na página para gatafunhar o meu «muito bem!», já lá está um «muito bem!» - e, aliás, o meu entecessor na leitura também registara o resumo em tópicos que eu pretendia anotar, e fê-lo numa caligrafia que me é muito familiar, a minha própria, porque o meu antecessor não era outro senão eu próprio.