Já não se lembrava quando tinha adquirido esse hábito, nem sequer de quando se tinha tornado obsessão. A verdade é que tudo na sua vida se vinha organizando por ordem alfabética, quase sempre até naturalmente, sem exigir de si um verdadeiro esforço. De vez em quando, é certo, precisava de dar um pequenino jeito, nada de realmente invulgar, como o facto de ter conhecido Berlim depois de Amsterdão e Paris depois de Londres. Fez o primeiro ano de arquitectura, dois de design e só então se decidiu pela filosofia, mas também isso lhe pareceu natural. Ouvir Bach de domingo a quarta, Mahler às quintas e Schubert no resto da semana era um hábito tão antigo que nem pensava nele como fazendo parte dessa ordem. Organizar uma biblioteca por ordem alfabética é também muito simples e eficaz, porque se sabe sempre que os Budenbrook estão antes da Montanha Mágica e o Sidharta depois do Jogo das Contas de Vidro. Um dia porém conheceu o Álvaro e amou-o e resistiu a esse amor porque não podia consumá-lo. Não depois de ter namorado o Carlos, o João e o Miguel. Álvaro, Alv, Al, por mais voltas que desse ao nome não conseguia integrá-lo na clara ordem da sua existência. Durante uns meses andou um pouco perplexa, meditando sobre o que lhe tinha acontecido, questionando-se até sobre o destino, a verdade e o acaso, como se fosse possível regressar à ignorância. Quando começava a esquecer o problema, era Dezembro, recebeu em casa uma encomenda registada: ABC do amor, para principiantes, por Zeferino Zorba. Na contracapa lia-se «Zeferino Zorba, pseudónimo adoptado pelo escritor Álvaro Amado que nesta primeira obra revela já toda a mestria de um grande autor». Na página três uma dedicatória em forma de pergunta: agora que entrei no teu abecedário não te importas de inventar um novo para nós?