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Janela Indiscreta
 
quarta-feira, setembro 10, 2003  
Zazie dans le metro

INTELECTUALÓIDES E TONTOS…

Este foi um tema da silly season do ano passado no Pastilhas que agora vem espreitar à Janela.
Pseudo-Intelectuais; Intelectualóides; Pseudo-Intlectualóides – que “pseudos” são esses que desvirtuam a seriedade do espírito? O que os diferencia dos verdadeiros intelectuais? Quem são os visados pela troça?

Conta-se que Goebbels dizia que lhe dava vontade de sacar da pistola sempre que ouvia falar em intelectuais. Muitos ódios de estimação que estes geram mais não serão que uma forma de despeito por um poder que se pressente. Como na altura comentou o meu amigo maradona é capaz de ser preferível um pseudo-intelectual a um anti-intelectual mas também não há dúvida que há casos em que a troça parece ir ao encontro de quem a está a pedir.
Na Idade Média era muito comum esta chacota aos doutores. Os óculos na ponta do nariz tanto serviam para designar a seriedade do estudo como a ignorância de quem não entende do que fala ou a marca da loucura dos que deixam escapar a razão nesses devaneios.


Da esquerda para a direita:
1 - Festa de Loucos, gravura de Peter Brugel o Velho (detalhe). Os loucos com óculos
Sátira dirigida aos religiosos - um deles é o escrivão, com o tinteiro e a pena mais o saco onde aferrolha as moedas de ouro -. São os tristes tontos, gelados e solitários, casados com o estudo. Os óculos em cima da cabeça não ajudam a que o saber entre, apenas reflectem a tontice que já lá está.
2 - O beato ou o falso converso agarrado ao rosário. Cadeiral da Igreja de S. Novcolau, Kalkar, Alemanha (1505/08)


Noutros casos afiguram-se como caricaturas dos que se entregam a prazeres espirituais mas nos terrenos lhes escapa a inteligência. Vítimas de um saber teórico, muito sábios mas muito fáceis de enganar pelas mulheres, Alexandre o Grande, Virgílio e Aristóteles não escaparam à troça. Virgílio pendurado no cesto que a amada prometeu içar até à janela do quarto ali ficou pendurado toda a noite para de manhã ser troçado pelos soldados romanos; Aristóteles fez de burro e deixou-se montar por Camtaspé para ser gozado por Alexandre e, mesmo este último, enquanto se embrenhava nos estudos não escapou às “facadelas” da amada.


Da esquerda para a direita:
1 - Lai de Aristóteles, cadeiral da Igreja de Montbenoît (sec. XVI)
2 - Lai de Virgílio, cadeiral da Sé do Funchal (c.1514/15)


O Lai de Aristóteles (c.1223) é atribuído ao clérigo e trovador normando Henri d’Alais. Phyllis, (também apelidada de Camtaspé) vinga-se de Aristóteles que aconselhara Alexandre a afastá-la pois achava que esta andava a distrai-lo da seriedade dos assuntos de governo. Numa dança sensual Phylis tenta o filósofo e promete-lhe favores se primeiro fizesse de cavalo e a passeasse, assim montada, em redor da sala do palácio. O sábio cai na artimanha e é apanhado nesta triste figura pelo discípulo. O talento da dialéctica ainda lhe permite argumentar que deste modo provava como estava certo pois se até um velho filósofo cai por causa das mulheres quanto mais um jovem na pujança da idade...

Pseudo-intelecutalóides também podem ser esses “burros carregados de livros”; “verbos de encher”; presunçosos como o Grand Patapouf; os “papagaios de salão” e os grandes “cagões” que todos nós conhecemos. Nos provérbios medievais flamengos e nos fabulários a sátira escatológica utiliza o termo nesse mesmo sentido- “o caganço”; “cagar de alto”, o “cagar para isso” que ainda hoje é tão usado.



cagar nos óculos (“os cagões”; “qual deles o mais cagão”, “cagam pelo mesmo cu”- não fazem nada um sem o outro), cadeiral da Igreja de Sainte- Materne de Walcourt, 1531


Aqui fica divertida sátira que Sebastian Brandt lhes dedicou na Nave dos Loucos.



Livros Inúteis

Conduzo a dança dos loucos
Pois estou rodeado de livros
nunca lidos e que nem compreendo.
Se vou à proa na nave
Não é sem justa razão
E bem-vindos os que bem me entendem:
Guardo um monte de tomos na minha casa
Que importa se não os não entendo:
Tenho na mais alta estima
os espanadores e mata-moscas
Ouvindo falar sabiamente,
Respondo: “possuo isso tudo em minha casa”.
Basta-me, para estar entre os anjos,
Rodear-me dos meus livros.
Diz-se que Ptolomeu tinha
todos os livros do mundo
e os considerava o seu tesouro
ordenava-os nas prateleiras
e não era mais sábio por isso.
Tenho tantos livros quanto ele:
Ao Diabo se nunca os li!
Haveria eu de perturbar o meu espírito,
De me atolar num montão de saber?
O estudo impede as quimeras!
Não posso eu, um grande senhor,
Pagar para que se instruam por mim?
E, ainda que tenha o espírito obtuso
Se estou entre doutos
Sei dizer em latim: “Ita!”
Mas no registo alemão
Estou mais à vontade que em latim.
Sei que vinho se diz vinum
Corno, qucklus, stulus cretino,
Faço-me chamar “douto sire”:
Basta-me esconder as minhas orelhas
Que ninguém descobrirá o burro do moleiro.

Sebastian Brandt, A Nave dos Loucos, 1494.



Bibliografia: GAIGNEBET, Claude; LAJOUX, Dominique, “Art profane et religion populaire au Moyen Âge, P.U.F., Vendôme, France, 1985.
MAETERLINK, Louis, Le genre satirique, fantastique et licencieux dans la sculpture flamande et wallonne. Les miséricordes de stalles (art et folklore), Jean Schmit, Libraire, Paris, 1910.

© Zazie

posted by Anónimo on 15:28


 
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