terça-feira, setembro 09, 2003
o sol sobre marmeleiro
De manhã ao passar pela mercearia vi, pela primeira vez este ano, marmelos. São um dos primeiros sinais do Outono. Trazem pó agarrado à pele e memórias. Lembro-me da minha avó a descascá-los e a cozê-los numa grande panela e do cheiro reconfortante que enchia a casa. E lembro-me também de “El Sol del Membrillo” de Victor Erice, um dos “meus” filmes, sublime e hipnótico.
No filme há um pintor encantado pelo marmeleiro do quintal. Estamos no fim do Verão, a árvore brilha e refulge em belas cores. O pintor vai fazendo marcas minuciosas para acompanhar o amadurecimento dos frutos mantendo a perspectiva. O que é que ele procura naquela árvore?
Um dia uma pintora chinesa visita o atelier improvisado no quintal e pergunta-lhe como é que ele pensa retratar a luz que incide na árvore. Como?
Já não me lembro bem da resposta, das palavras exactas mas sei que o pintor fala da impossibilidade de pintar a luz, fala dos limites da pintura. Sim, ele sabe tudo isso mas continua a pintar o sol sobre marmeleiro e refaz o quadro e quando a chuva chega e a luz se altera, desaparecendo aquele efémero que ele procurava, ele pára mas apenas para esperar de novo pelo instante certo.
posted by Anónimo on 19:00