quarta-feira, setembro 17, 2003
Fanny e Alexander (II)
Meu filme “Fanny e Alexander” tem dois pais: um deles é E. T. A. Hoffmann.
Quase no final dos anos 70 estava previsto que eu encenasse “Os contos de Hoffmann” na Ópera de Munique. Comecei então a fantasiar a pessoa do verdadeiro Hoffmann, sentado na taberna de Lutero, doente, quase às portas da morte. Em minhas notas desse tempo, posso ler isto: “A morte está sempre presente. A Barcarola é a suavidade da morte. A cena em Veneza está empestada de podridão, de lascívia brutal, de fortes essências. A cena com Antónia é moderna, furiosa, assustadora. O quarto está povoado de sombras que dançam com as bocas abertas. O espelho da galeria é pequeno e cintila como uma arma assassina.”
Há uma novela de Hoffmann onde se fala de um quarto imenso, mágico. Achei que seria um quarto assim, o que se mostraria no palco, ficando a orquestra ao fundo.
Também existe uma ilustração de “Os contos de Hoffmann” que não me saía da memória. Ela é proveniente de “O quebra-nozes”. Nessa gravura vêem-se duas crianças de cócaras, na véspera de Natal, esperando que a árvore seja iluminada e as portas do quarto se abram.
O ponto de partida de “Fanny e Alexander” também é a celebração do Natal.
O outro pai deste filme é, evidentemente, Dickens: o bispo e a sua casa; o judeu na loja fantástica; as crianças como vítimas; o contraste entre um mundo fechado, preto e branco, e uma vida que floresce lá fora.