segunda-feira, setembro 15, 2003
Este é o meu filme preferido de Ingmar Bergman. Estou sempre disposta a revê-lo e, cada vez que o faço, fico encantada. Mas tenho muita dificuldade em falar dele. Há no filme algo de inefável que não quero desvendar. Nada mais direi sobre "Fanny e Alexander" mas Bergman sim. Hoje e nos próximos dias iremos publicar depoimentos do cineasta. Começamos com excertos de uma entrevista concedida à revista "Positif" (nº 289, Março 1985) e traduzida pela zero em comportamento
Por favor, marquem na agenda, desfaçam compromissos mas não percam esta maravilha! Ah sim e agradeçam à zero em comportamento
Fanny e Alexander (I)
(...) Não é muito fácil dizer-vos como é que a história de "Fanny e Alexander" começou porque não houve verdadeiramente um ponto de partida. Eu estava de férias na minha ilha, sem nada para fazer, e pus-me a escrever. Estava bom tempo e era Outono, a minha estação preferida. Não tinha um objectivo preciso, não estava a pensar nem num filme, nem numa peça de teatro, nem num romance. (...) A única coisa que posso dizer - não gosto muito de fazer comentários sobre os meus filmes porque eles são-me muito próximos - é que foi um período maravilhoso da minha vida, enquanto escrevia o argumento e durante a rodagem. (...)
Eu amo a vida, as mulheres, o vinho, a comida, a música, a natureza. Mas nasci com mais qualquer coisa. Desde a minha mais tenra infância - tenho dela memórias muito vivas e não tem nada a ver com a minha educação - eu vivo com o medo. Este medo pode ser muito grande. Pode dizer respeito à minha família, à morte, à vida política, tudo o que me rodeia. (...)
Quando somos jovens, temos muitas emoções, mas também somos muito intolerantes. Eu, pelo menos, era assim. Não gostava disto ou daquilo, rejeitava uma série de coisas, era um rapaz zangado com um mau estomâgo. Hoje em dia estou mais velho e gosto de todo o tipo de emoções e também das dos outros, mesmo quando eles não apreciam aquilo que eu faço.
(...)
Vivi no seio de uma família muito burguesa. Conheci famílias do mesmo meio. E em "Fanny e Alexander" é destas famílias que eu falo, das minhas próprias experiências, do virar do século. (...)
Dizem-me que "Fanny e Alexander" é divertido e que isso é curioso porque os meus outros filmes são muito sérios. Sabem, é difícil falar destas coisas, mas eu fiz há quase trinta anos uma comédia, "Sorrisos de uma Noite de Verão", e contudo foi o período pior da minha vida; todos os dias tinha vontade de me suicidar. Em contrapartida, divertimo-nos imenso a filmar "Lágrimas e Suspiros", um filme muito trágico! Isto é tudo irracional e não se pode explicar. (...)
A maior parte de nós é, no fundo, uma criança, com comportamentos que nos ligam à nossa consciência de adultos. Como sabem, enquanto crianças, ficamos fascinados com os contos de fadas, com a magia, com o mistério. Como eu me sinto muito próximo da minha infância, não foi difícil lembrar-me de que eu então pensava sobre a vida, sobre a morte e os demónios. (...)
Durante muito tempo, procurei um outro título para este filme. Pensava que não lhe podíamos chamar assim. Depois, apercebi-me que assim é que convinha porque dei-me conta de que todos os personagens - mesmo a avó - são como crianças. Por vezes, vêmo-los do ponto de vista da Fanny e do Alexander, outras vezes não. Mas em todo o caso, eles são sempre vistos do ponto de vista da minha infância.
Ingmar Bergman
16, 17, 18, 19 e 22 de Setembro, às 18h00 e 21h45
Cine-Estudio 222, Av. Praia da Vitória, 37, (ao Saldanha)