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Janela Indiscreta
 
sexta-feira, setembro 05, 2003  

Angela Nugara “Sicília”, de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet

O arenque foi limpo, colocado num prato, regado a azeite, e eu e minha mãe sentamos à mesa. Isso, na cozinha, com o sol pela janela atrás das costas de minha mãe, enrolada na manta vermelha, com os cabelos de um castanho bem claro. A mesa ficava encostada à parede e eu e minha mãe sentamos um diante do outro, o braseiro embaixo e o prato de arenque em cima, quase cheio de azeite. E minha mãe atirou-me um guardanapo, passou-me um prato e um garfo, puxou da gaveta um belo pão já pela metade.

– Você não se importa de comer sem toalha? – perguntou.

– Oh, não – eu disse.

E ela: – Não posso lavar roupa todo dia... Estou velha agora.

Em minha infância, no entanto, a gente sempre comera sem toalha, exceto aos domingos e feriados, e minha mãe costumava dizer, isso eu lembrava, que não podia lavar roupa todo dia.

Comecei a comer arenque com pão e perguntei: – Por que não tem sopa?

Minha mãe olhou-me e disse: – Como é que eu ia saber que você vinha?

Olhei-a e perguntei: – Mas é por você que falo. Você não costuma tomar sopa?

– Fala por mim? – disse minha mãe. – Quase não tomei sopa em toda a minha vida... Fazia para vocês e seu pai, mas a minha comida sempre foi essa: arenques no inverno, pimentões assados no verão, muito azeite, muito pão...

– Isso o tempo todo? – perguntei.

– O tempo todo, por que não? – disse minha mãe. – Com azeitonas, naturalmente, e às vezes carne de porco e lingüiça, quando tínhamos porco.

– E tínhamos porco? – perguntei.

– Tínhamos, você não lembra? – disse minha mãe. – Havia anos em que a gente tinha porco, nas casas de cantão, criava-o com figos-da-índia, depois matava-o...

Então, lembrei-me do campo que cercava uma das casas com a linha férrea e figos-da-índia e guinchos de porco. Era bom viver nas casas de cantão, pensei. Todo aquele campo para se correr, sem cultivo, sem camponeses, apenas algumas ovelhas e os homens do enxofre voltando das minas, à noite, quando a gente já tinha se deitado. Bons tempos aqueles, pensei, e perguntei: – Tínhamos frangos também, não é?

Minha mãe respondeu que sim; tínhamos alguns, é claro, e eu disse: – A gente fazia molho apimentado...

E minha mãe: – A gente fazia de tudo um pouco... Secava tomates ao sol... Fazia doces de figos-da-índia.

– Bons tempos aqueles – eu disse convicto, pensando nos tomates que secavam debaixo do sol nas tardes de verão, sem vivalma naquele campo todo. Era campo seco, cor de enxofre e lembrei o zumbido do verão e o brotar do silêncio e de novo pensei que eram bons tempos aqueles. Eram bons tempos aqueles – eu disse. – Tínhamos telas contra insetos.

– Quase sempre havia malária por lá – disse minha mãe.

– Malária da brava! – eu disse.

E minha mãe: – Brava de verdade!

E eu:– E havia cigarras! ... – E revi a floresta de cigarras para além das redes protetoras das janelas, da varanda, na solidão do sol, e disse: – Eu pensava que cigarras eram a malária!

– Ah, ah! – minha mãe gargalhou. – Era por isso talvez que você apanhava tantas?

– Apanhava? – eu disse. – Mas eu acreditava que "malária" era seu canto, não elas... Eu as apanhava?

– E como! – disse minha mãe. – Vinte, trinta de cada vez.

E eu: – Devia estar pensando que eram grilos... – E perguntei: – O que fazia com elas? Minha mãe riu novamente. – Acho que você comia – disse.

– Comia? – exclamei.

– Comia – disse minha mãe. – Você e seus irmãos.

Ela ria e eu estava pasmo. – Mas como pode ser? – perguntei.

E minha mãe disse: – Talvez fosse fome. E eu: – Tínhamos fome?

E minha mãe: – Talvez.

– Mas a gente estava bem de vida! – protestei.

Minha mãe me olhou. – Sim – disse. – Seu pai recebia no fim de cada mês, e então por dez dias vivia-se bem. Todos os camponeses e o pessoal das minas nos invejavam... Mas depois de dez dias a gente ficava como eles. Comia caracóis.

– Caracóis? – eu disse.

– Sim, e chicória do mato – disse minha mãe.

E eu perguntei: – E eles, só comiam caracóis? E ela: – Sim, é o que todos os pobres comem normalmente. E nós éramos pobres nos últimos vinte dias do mês.

E eu: – E comíamos caracóis por vinte dias? E minha mãe: – Caracóis e chicória do mato. Refleti um pouco, sorri e depois disse: – Afinal, devia ser gostoso.

E minha mãe: – Ótimo... Podemos cozinhá-los de tantas maneiras.

E eu: – Como, tantas maneiras?

E minha mãe: – Simplesmente fervidos, por exemplo. Ou empanados e fritos.

E eu: – Que idéia! Empanados e fritos? Com casca?

E minha mãe: – Mas é claro! É assim que se comem, sugando a casca... não se lembra?

E eu: – Lembro, lembro... Sugar a casca é que é o melhor, me parece.

E minha mãe: – A gente passa horas sugando.

(Tradução de Lucia Guidicini)
© Editora Guanabara

posted by Anónimo on 13:22


 
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