É verdade, vivo em tempos de trevas.
É insensata toda a palavra ingénua. Uma testa lisa
revela insensibilidade. Os que riem
riem porque ainda não receberam
a terrível notícia.
Que tempos são estes, em que
uma conversa sobre árvores é quase um crime
porque traz em si um silêncio sobre tanta monstruosidade!
Aquele ali, tranquilo a atravessar a rua,
não estará já disponível para os amigos
em apuros?
É verdade: ainda ganho o meu sustento.
Mas acreditem: é puro acaso. Nada
do que eu faço me dá o direito de comer bem.
Por acaso fui poupado (quando a sorte me faltar, estou perdido.)
Dizem-me: come e bebe! Agradece por teres o que tens!
Mas como posso eu comer e beber quando
roubo ao faminto o que como e
o meu copo de água falta a quem morre de sede?
E apesar disso eu como e bebo.
Também eu gostava de ter sabedoria.
Nos velhos livros está escrito o que é ser sábio:
Retirar-se das querelas do mundo e passar
este breve tempo sem medo.
E também viver sem violência
pagar o mal com o bem
não realizar os desejos, mas esquecê-los.
Ser sábio é isto.
E eu nada disso sei fazer!
É verdade, vivo em tempos de trevas!
Bertolt Brecht tradução de João Barrento
O TEMPO DAS TREVAS
QUE NA TERRA LHE FOI DADO