Dizia Hildegarda de Bingen, no tratado de Física que redigiu por volta de 1150, que o macaco “como é muito semelhante ao homem está sempre a observá-lo para depois o imitar. Também partilha os hábitos de outros animais mas, ambos estes aspectos da sua natureza são deficientes, pelo que o seu comportamento não é nem totalmente humano nem totalmente animal”. Esta ideia vai perdurar por muitos séculos e os símios são associados à falta de razão humana, ao pecado da carne e prisão dos instintos. Os bestiários medievais divulgam uma série de lendas e fábulas e incluem-nos como pretexto para as mais variadas sátiras da marginalia medieva.
No cadeiral da Sé do Funchal existem vários. Alguns fazem alusão ao pecado da gula — são os macacos beberrões, a emborcar sofregamente o vinho por copos e púcaros, enquanto ao lado de um deles um porco pede esmola, mostrando o rolo do atestado de pobreza.
Macaco beberrão, cadeiral da Sé do Funchal, c.1515
Outro primata toca gaita-de-foles, numa alusão à provocação sexual em que os porcos costumavam levar a palma como se pode ver no portal da Sé de Lamego, a par de cenas de felatio entre meninos ...
Numa mísula da Torre de Belém o macaco é mais erudito — executa com primor alguma cantata no violino, mostrando um ar sorridente e inspirado —.
Macaco a tocar violino, Torre de Belém, c. 1519
Era também comum associá-los a cenas de assédio com morcegos fêmeas, com as maminhas à mostra ou, mais explicitamente, a fazerem de médicos, colocando uns edemas no traseiro de outros bichos ou mesmo de humanos, numa alusão aos gays da época.
Macaco a pôr edema - misericórdia de cadeiral da Colegiada de Villefranche-de-Rouergue (séc.XV)
Noutros casos podiam aparecer a fazer grandes cozinhados ou como ladrõezecos em fuga como o que está no cadeiral da igreja de Montémart.
Macaco ladrão- cadeiral da igreja de Montémart (séc.XV)
As extravagantes droleries medievas tendem a tornar-se cada vez mais mordazes no período gótico. Num manuscrito iluminado do Romance de Lancelote figurou-se uma freira a amamentar um macaco numa troça ousada às imagens tradicionais da Virgem com o Menino.
Freira amamentando um macaco, Iluminura do romance de Lancelote. John Rylands Library, Manchester
Miguel Ângelo, fortemente influenciado pelas teorias neoplatónicas da época, não os esqueceu e, numa alusão ao triunfo da morte pela Vida Contemplativa que se liberta do cárcere terreno, fez acompanhar de símios dois dos escravos inacabados do túmulo de Júlio II.
Miguel Ângelo, Escravo inacabado para túmulo de Júlio II, c.1516
Numa variante das catalogações das raças do mundo, misturados com as lendas, os macacos são também associados aos sátiros e homens silvestres. Esta crença estava de tal modo inculcada que, só em pleno século XVII a Ciência se impõe para desmistificar a tradição. O famoso Dr. Tulp que Rembrandt imortalizou na “Lição de Anatomia”, redigiu os Medicarum Libri Tres, um tratado científico, no qual expõe uma série de monstruosidades que dissecou, entre as quais se pode ver uma gravura de um orangotango acompanhado da seguinte legenda: Homo Sylvestris-Orangutangus. No capítulo dedicado aos Sátiros Índicos, desenvolve o assunto e chega à conclusão que os únicos que podem existir são estes e são animais que o desenho mostra, pois os ditos sátiros com que eram confundidos só existiam nas lendas.
Dr Tulp, Medicarum Libri Tres, “Homo Sylvestris Orangutangus”, 1641