segunda-feira, julho 07, 2003 “the poet of the camera”
Ir à livraria sem preparação prévia e sem um objectivo, arrastada por amigos, requer muita disciplina. A seis metros de distância, as estantes da poesia tornam-se demasiado apelativas. Avanço com cuidado. Durante meia-hora, folheio, leio, releio e resisto. Embriagada pela vitória contra o gasto, dou alguns passos até às estantes de fotografia – ainda mais apelativas, aí, os deslizes são muito mais perigosos. Uma ideia luminosa me ocorre: folhear livros que já tenho. Vislumbro The Americans, de Robert Frank, e aproximo-me tranquilamente. No momento em que lhe vou pegar, o olhar escapa-me para o livro à esquerda: London/Wales – Robert Frank (1951-52). Prendo-o entre os braços em menos de um ai. Sento-me e vejo as fotografias uma a uma. Impressões impecáveis. Cinzentas e baças, como o nevoeiro. Quotidianas. Negligentes. Perfeitas. Há páginas com provas de contacto pelo meio. Pequena, respiro de alívio com uma ou duas fora do tempo médio. Divirto-me a observá-las, a tentar adivinhar quais terão sido as escolhidas. O ritmo do livro é o ritmo de um dia e, nele, uma cidade, tão extraordinariamente fotografada que cada página aberta ofusca qualquer outra realidade, acorda, caminha sonolenta para o emprego, sob o chapéu do banqueiro, sob as vestes do operário, sob a chuva, e regressa à hora do lanche, com joelhos esguios, bibes sujos e correrias de miúdos. O grão destas fotografias é um dos mais bem aplicados e conseguidos que já vi. O mais bonito em Robert Frank é a nítida ausência de preocupação formal - o gosto e o vagar de ver. Página a página, sei que não vou separar-me deste livro.