"Analisemos por um momento um espírito vulgar no decorrer de um dia vulgar. O espírito recebe uma miríade de impressões - triviais, fantásticas, efémeras, ou gravadas coma veemência do aço. Surgem de todo os lados, chuva contínua de átomos inumeráveis, e, à medida que vão caindo, à medida que vão tomando a forma de uma segunda ou terça-feira, a ênfase recai de um modo sempre diferente, o momento com importância já não é este mas aquele; fosse o escritor um homem livre e não um escravo, pudesse ele escrever sobre aquilo por que optou e não sobre aquilo a que o obrigam, pudesse ele fundar a obra sobre o seu próprio sentimento e não sobre a convenção, não haveria nem enredo, nem comédia, nem tragédia, nem interesse amoroso, nem catástrofe segundo os cânones estabelecidos, porventura nem um só botão pregado à moda dos alfaiates de Bond Street. A vida não é uma série de semáforos simetricamente dispostos. A vida é um halo luminoso, um sobrescrito semi-transparente que nos envolve do primeiro ao último momento de consciência. Não consistirá a tarefa do escritor em nos comunicar este espírito mutável, desconhecido, sem limites definidos, qualquer que seja a aberração ou complexidade que apresente, confundindo-o o mínimo possível com tudo aquilo que lhe é exterior ou alheio? Não nos limitamos a defender a coragem e a sinceridade - estamos a sugerir que a matéria própria da ficção é algo diferente daquilo que temos sido habituados a pensar."
Virginia Woolf, "A Ficção Moderna" in O Momento Total. Ensaios de Virginia Woolf,1985.