Obrigatória, a crónica de António Barreto sobre jacarandás (publicada pelo Público e descoberta na Montanha Mágica)
Foram semanas de inquietação. A incerteza, uma estação das chuvas que nunca mais acabava... Às vezes, temos de parar o vento para que as ondas se tornem mais suaves. Finalmente, nesta sexta-feira de manhã, em Belém, perto do Tejo, o azul do infinito anunciou o seu regresso a mostrar como o efémero pode ser eterno. Em apenas três árvores, quase imperceptíveis, as primeiras flores de jacarandá mostraram a sua cor. Há quem prefira as palmeiras bravas, mas a serenidade deste azul desafia as paixões. Dentro de poucas semanas, Lisboa será diferente. Pode o défice crescer, os estudantes fazerem greve e o parlamento falhar a sua própria reforma. Podem as gerações mais velhas gemer com a perda de valores e os autarcas lisboetas jubilar com o absurdo da construção de um casino. Pode a União Europeia fingir que não tem problemas de maior. Podem as Mães de Bragança declarar a sua impotência perante maridos libidinosos. E bem podem queixar-se, nas ruas onde abundam estas flores, os que vêm os seus carros estragados pelas "resinas" que, durante a floração, escorrem das árvores. Pode tudo isso acontecer, que nada nos fará perder a beleza estonteante dos jacarandás em flor.
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