quarta-feira, maio 28, 2003
Gosto muito da última página do Local Porto do jornal Público. É pena os textos não estarem online, bem mereciam porque geralmente são muito mais do que notícias. Por exemplo, hoje, para além do texto de Óscar Faria sobre a exposição proustiana de Adriana Molder, temos o prazer de ler “Os mistérios dos livros”, de Luís Miguel Queirós. Como resistir a ir à Feira do Livro e como resistir ao segundo parágrafo, que apetece pôr em bold...
Os mistérios dos livros
Dizem-nos que vivemos hoje numa civilização da imagem, dominada pela televisão e restantes meios audiovisuais. Houve mesmo quem anunciasse a morte do livro, que tenderia a ser substituído pela internet como ferramenta de aquisição de saber, e destronado pelos filmes e jogos de computador enquanto fonte de prazer estético ou objecto de entretenimento. Não só são francamente razoáveis os argumentos em que se funda uma tal previsão, como há que reconhecer que os potenciais “sucessores” dos livros estão todos em franca expansão. E talvez seja ainda demasiado cedo para avaliar como o livro virá a aguentar-se perante a concorrência destes novos rivais. Mas parece difícil negar que está a resistir melhor do que se previa. Particularmente significativo é o facto da literatura infantil e juvenil ser hoje um sector em franca ascensão, vendendo como nunca. A ideia de que só na geração mais velha, formada nos livros, teria dificuldade em aceitar o seu desaparecimento, caiu por terra.
Por mim, suspeito que a explicação é genética, que algures no ADN da espécie está inscrita a palavra livro, a par de outras semelhantes, essas poucas das quais é difícil saber se os homens as inventaram ou foram inventadas por elas, como deus e o amor. Se é que não foram também os livros que as inventaram, como provavelmente nos inventaram a nós.
Hoje, pelas 18h30, abre mais uma Feira do Livro do porto, que este ano decorrerá sob a palavra de ordem “Alegria de Ler”. Se o leitor for um comprador regular de livros, desses que não dispensam pelo menos uma ronda semanal pelas livrarias, dificilmente o desconto da feira e a apresentação de um punhado de novidades editoriais lhe parecerão argumentos muito sedutores. No entanto, suspeito de que o vou ver por lá, quanto mais não seja para se extasiar com aqueles milhares de capas ordenadamente dispostas nas bancas dos sucessivos pavilhões. E há sempre um livro que nos escapou, tanto mais que as livrarias os devolvem às distribuidoras com uma rapidez inquietante. Começa a ser como os filmes que saem de cartaz ao fim de três ou quatro dias. Além de um programa cultural aliciante e de uma justíssima homenagem a Agustina Bessa-Luís, esta feira assinala ainda a reconciliação entre as das associações do sector, com benefícios óbvios para o visitante. A única má notícia é o desaparecimento definitivo do último alfarrabista que nela ainda sobrevivia: a Livraria Moreira da Costa. Porque os bons livros, como os bons vinhos, têm essa virtude: envelhecem com dignidade.