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Janela Indiscreta
 
domingo, maio 18, 2003  
”Era um poeta, claro.”


Blaise Cendrars, por Modigliani (1917)

Hoje à tarde, em casa de um amigo, ao passar os olhos por uma “Visão” (de 8 de Maio), encontrei uma Crónica do António Mega Ferreira sobre Blaise Cendrars que me fez recuar uns anos. Já não me lembro muito bem como é que cheguei aos livros dele, só sei que foi na adolescência e que gostei logo dele (do seu ar aventureiro e intrépido). Fui catando os livros de Cendrars nos alfarrabistas e lia-os com um arrebatamento próprio da idade.

O que ele queria era viver e bem se pode dizer que poucos poetas cumpriram com tanta vitalidade e empenho o seu programa: foi voluntário na primeira Guerra e perdeu o braço direito; andou pelos confins da Sibéria e explorou, rendido e deslumbrado, as intimidades do Brasil; escreveu sobre a América e sobre as Ilhas do Pacífico, que, aliás, nunca visitou. Tinha uma enciclopédia na cabeça e, quando a cabeça lhe faltava, mergulhava as mãos generosa e depudoramente na prosa dos outros para alimentar o Moloch da escrita, que o consumia impiedosamente. Era um mitómano, um inventor de fábulas, um criador de monstros; quando morreu, em 1961, aos 74 anos, continuava a anunciar 33 obras em preparação, embora esse número não tivesse variado desde o fim dos anos quarenta.
Muitos acharam que foi um aldrabão; muitos mais tomaram-no por génio. Foi um contrabandista da palavra, transportando-a de uma língua para outra (falava quatro ou cinco, entre as quais o russo, na perfeição), de livro para livro, de aventura em aventura. Há lugares que se repetem, ideias que surgem, repisadas, em diferentes testos, ficções extraordinárias que ele apresenta como a mais casual das realidades. Para ele, a História era o que as palavras fossem capazes de dizer sobre ele. Era um poeta, claro. E está por (re)descobrir.


O António Mega Ferreira acabou uma tradução de “O Ouro” que irá ser editado no Outono. Aqui em casa tenho a edição já muito antiga da Miniatura; “Rum” da colecção Unibolso; o esotérico “O eubage” editado pela & etc; “Poesia em Viagem”, da Assírio & Alvim; e o delirante Moravagine, traduzido pelo Ruy Belo – o meu ainda é uma edição da Ulisseia mas há uma reedição da Cotovia que, diz António Mega Ferreira, está com 50% de desconto na livraria da editora à Misericórdia (em Lisboa).
Há ainda um poema na revista “Portugal Futurista”, mais alguns traduzidos pelo Pedro Silveira e que estão agora no livro “Mesa de Amigos”, da Assírio & Alvim; algumas traduções de Aníbal Fernandes espalhadas por diversas revistas e “Brasil, Vieram os Homens” da & etc. E talvez haja mais… a (re)descobrir!

posted by Anónimo on 23:10


 
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