Quem não comprou a revista "Construções portuárias", perdeu um conjunto de poemas de Alejandra Pizarnik, uma poeta argentina, "umas das principais referências da poesia argentina e de língua espanhola da segunda metade do séc XX". De qualquer modo, há agora a oportunidade de descobrir a poesia da autora, porque saiu uma "Antologia Poética", pela editora O Correio dos Navios, numa edição bilingue e com a tradução de Alberto Augusto Miranda.
Quanto aos dados biográficos da poeta, posso dizer que Alejandra Pizarnik nasceu em 1936. Era filha de imigrantes judeus russos e estudou filosofia e letras em Buenos Aires. "La tierra más ajena" é o seu livro primeiro publicado,em 1955. Estudou história das religiões e literatura em Paris, onde viveu entre 1960 e 1964. Antonin Artaud, Yves Bonnefoy e Henri Michaux são os autores que traduziu. De volta a Buenos Aires, publica "Los trabajos y las noches" (1965), "Extracción de la piedra de la locura" (1968) e "El infierno musical" (1971). Suicidou-se em 1972. Ponto final.
Alejandra Pizarnik escreve desde da solidão, da ausência, e por isso o seu suicídio se converte em linguagem. Suicida-se em palavras. Silêncio, noite, vento, pássaros, jardim são algumas das palavras chaves que abrem a casa da solidão, do amor, do medo, da morte. Casas dentro de uma grande casa escura, a da noite. ( "Caes una vez más por la ranura de la noche" diz um verso de Olga Orozco.) A noite que é o "lugar tão aberto", e onde "só a música do sangue/assegura residência". E é na noite, com o seu nome - título de um breve poema ("alejandra alejandra / por baixo estou eu / alejandra")- que pode dizer: "choro debaixo do meu nome". Habita na noite, mas de "olhos abertos". E é nessa "obscuridad abierta" que :"Alguém mede soluçando / a extensão da aurora. / Alguém apunhala a almofada / em busca do seu impossível / lugar de repouso". Mas o que os olhos interrogam não tem resposta: "No meu olhar perdi tudo / É tão longe pedir. Tão perto saber que não há".
"Explicar com palavras deste mundo / que partiu de mim um barco que me levava" são, certamente, os versos que mais dizem sobre toda a poesia de Pizarnik. A poeta procurou de um modo incessante a linguagem pura, o poema perfeito para explicar. As palavras que explicassem que um barco a leva pra outro mundo,e ao soltar-se deste mundo, das amarras da "jaula" da noite, a libertasse do porto que é o seu nome, Alejandra, verbo encarnado.
Não me vou alongar muito mais, o que se segue são alguns poemas da antologia.
Poema
Eleges o lugar da ferida
onde falamos o nosso silêncio
Fazes da minha vida
esta cerimónia demasiado pura.
Festa
Desdobrei a minha orfandade
sobre a mesa, como um mapa.
Desenhei o meu itinerário
até ao meu lugar ao vento.
Os que chegam não me encontram.
Os que espero não existem.
E bebi licores furiosos
para transmutar os rostos
num anjo, em copos vazios.
Cold in hand blues
e o que é que vais dizer
vou dizer apenas algo
e o que é que vais fazer
vou ocultar-me na linguagem
e porquê
tenho medo
Não,
as palavras
não fazem amor
fazem ausência
Se digo água, beberei?
Se digo pão, comerei?
(excerto de "En esta noche en este mundo")
Construiste a tua casa
emplumaste os teus pássaros
golpeaste o vento
com os teus próprios ossos