Certa noite, longe daqui alguém me disse que a procura da Beleza é a procura de um lugar perdido. A perda desse lugar leva os Homens a sentirem uma enorme e incurável melancolia por se tratar de uma harmonia esquecida, um tempo onde se decifravam as chaves do Universo pelas imagens, uma "Idade de Ouro" perdida ( a Arcádia de Virgílio?), um mundo em que as correspondências eram compreendidas e comunicadas. Não se pode nomear a Beleza, nem explicá-la, nem falar dela. A beleza salva. A cor deslumbrante, a sumptuosa construção, o luxo agressivo, a sedução das violentas estruturas da Beleza. A construção da Beleza tem de ser possível, a Forma será o seu caminho. A Beleza no horror irá sarar as minhas feridas.
Rui Chafes, "Os Laços Invisíveis"
Manobras de Outono
Não digo: isso foi ontem. Com insignificantes
trocos de Verão nos bolsos, estamos de novo deitados
sobre o joio do sarcasmo, nas manobras de Outono do tempo.
E a nós não nos é dada, como aos pássaros,
a retirada para o sul. À noite passam por nós
traineiras e gondolas, e por vezes
atinge-me um estilhaço de mármore impregnado de sonho,
onde a beleza me torna vulnerável, nos olhos.
Leio nos jornais muitas notícias - do frio
e suas consequências, de imprudentes e mortos,
de exilados, assassinos e meríades
de blocos de gelo, mas pouca coisa que me dê prazer.
E porque havia de dar? Ao pedinte que vem ao meio-dia
fecho-lhe a porta na cara, porque há paz
e podemos evitar essas cenas, mas não
o triste cair das folhas à chuva.
Vamos viajar! Debaixo dos ciprestes
ou de palmeiras ou nos laranjais, vamos
contemplar a preços reduzidos
inigualáveis pôr-do-sol! Vamos esquecer
as cartas ao dia de ontem, não respondidas!
O tempo faz milagres. Mas se chegar quando não nos convém,
com o bater da culpa - não estamos em casa.
Na cave do coração, desperto, encontro-me de novo
sobre o joio do sarcasmo, nas manobras de Outono do tempo.
Ingeborg Bachmann, O Tempo Aprazado
Imaginassem as amendoeiras
que estamos em pleno outono.
Vestem-se como.
Púrpura, ouro,
estão perfeitas como estão:
erradas.
Pudesse um poema, um amor,
pudesse qualquer esperança
viver assim o engano: