Nada te espera, prosa.
Levanta-te e caminha, como fez o outro.
As imagens guardam o seu tempo de exaltação.
Os sentimentos, não.
Não te preocupes com o homenzinho triste
que entrava o teu caminho, a porta não adivinhada.
O homem dos quarenta anos pede-te boleia.
Não olhes, não ligues, resiste aos seus lamentos
de cabra desgarrada em cima duma pedra.
Ele quer é seduzir-te com a infância,
essas crias medrosas que nunca soube orientar
e não sabe agora o que fazer com elas.
O teu destino é outro. Continua.
Se o homenzinho chora, atira-lhe ao olhar
toda a imensidão da relva que lhe resta.
O que ele quer é seduzir-te com amores,
as fátuas labaredas do desterro
e de vergonha.
O teu futuro és tu. Cresce e aparece.
A prosa que se preza não dá ouvidos a gente
que traz nas mãos um punhado de víboras
afinal tão amestradas.
Se o homenzinho implora, indica-lhe o lugar
a que tem direito no circo:
uma pista feita de memória
e toda uma plateia que cansada urra
e que o pateia.
Nada te espera, prosa.
Deixa o homem gritar.
O mundo das imagens é só seguir em frente
e nunca alcançar a rosa.
Armando Silva Carvalho
A POESIA VAI
A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: "Que fez algum
poeta por este senhor?" E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
- Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor que chegar? -