Quando morrer voltarei para buscar
os instantes que não vivi junto do mar
Sophia de Mello Breyner Andresen
Há ainda as glícinias caídas do lado
de lá do muro
o canto dos tanques no recanto do caminho
a rede na porta
a luz do sul que se fazia a norte
há na casa um calor húmido deixado pelo frio
e há Agosto
manchas de mosto num tempo ou lugar onde
a voz de Lotte para sempre ecoaria
Maria Andresen de Sousa
Na Rua das Mónicas
Nos meus vinte anos,
almoçar em casa de Sofia
era ouvir ferver em cachão, frigir
na cozinha,arfar a cafeteira da poesia.
Era ver a ama de Sofia,
e de todos os filhos,de muitos versos,
cuidar de muitas gerações de memórias,
no lar desses versos tão caseiros.
E era beber, ali, na mesa,uma água
que, mais do que a da torneira,
concitou o mar para cada copo.
Era olhar um rosto de coral
(o que exorciza as Fúrias,na cozinha)
um rosto de mar novo, de geografia.
Era escutar as palavras da boca
do vocábulo grego para sabedoria,
o que me confirma o poder dos nomes,
ao serem Verbo,sobre os seres e as coisas.
Era sentar-me, lado a lado,
no espaço irradiante da volúvel lareira,
no Outono apagada, na Primavera acesa,
e com o fogaréu alimentado
por papéis venais de outra política
(que não a da sua humanidade),
que a prudência mandava destruir no fogo.
Era entrar e sair pela porta das Mónicas,
a das mulheres congregadas
sob invocação da mãe de Agostinho,
o que para mim celebrava também
o amor de mãe, da velha ama, da Poesia.