sábado, março 29, 2003
Enquanto viva o português, o galego não morrerá
O Filipe Bret reincide na Galiza. Desta vez com um poema de Celso Emilio Ferreiro e a cumplicidade de Carlos Drummond de Andrade. Volta sempre!
Fiquei muito satisfeito por saber que vários leitores da Janela Indiscreta gostam e se interessam pela poesia galega. O seguinte poema é de um dos meus poetas galegos preferidos, Celso Emilio Ferreiro (Celanova 1912 - Vigo 1979) e foi escrito quando foi condenado à morte pelo regime franquista, durante os quatro dias que passou na prisão até a sua familia ter conseguido o indulto.
Longa noite de pedra
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Carlos Drummond de Andrade
O teito é de pedra.
De pedra son os muros
i as tebras.
De pedra o chan
i as reixas.
As portas,
as cadeas,
o aire,
as fenestras,
as olladas,
son de pedra.
Os corazós dos homes
que ao lonxe espreitan,
feitos están
tamén
de pedra.
I eu, morrendo
nesta longa noite
de pedra.
Celso Emilio Ferreiro (do livro Longa noite de pedra; Editorial: Edicións Xerais de Galicia, Vigo, Galiza)
Infelizmente o galego (português da Galiza ou galego-português) é uma lingua que tem sofrido imenso, tendo vindo a sofrer um processo de espanholização crescente. É muito triste assistir à passividade das autoridades portuguesas no que se refere ao presente e futuro da lusofonia europeia (Galiza e Portugal). Parece que os nossos governantes desconhecem que o galego e o português sempre foram a mesma língua, desde as suas origens no território da Gallaecia ("Na cidade galaico-romana de Bracara Augusta, hoje Braga, apareceu já há bem tempo uma inscrição dedicada a um neto do imperador Augusto. Nela surge à luz, pela primeira vez, o nome de Gallaecia. É a sua primeira aparição histórica documentada. Não é possível conhecer a data exata dessa inscrição, que pode ir desde o ano 5 antes de Cristo até o 4 depois de Cristo. Alguns dados fazem mais provável o ano 3 antes de C." ("O Feito Diferencial Galego na Historia") até a sua diversidade actual por vários continentes. A Constituição da República Portuguesa diz, na alínea f) do Artigo 9º: ‘São tarefas fundamentais do Estado (...) assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa’. O que tem feito o estado Português nesse espaço lusófono que é a Galiza? NADA.
Quero recordar o episódio em que o Presidente da República, Jorge Sampaio, durante uma visita que fez a Santiago de Compostela se recusou a falar com um grupo de galegos que defendem a unidade linguística, fazendo o mesmo num simpósio que se realizou na Anadia.
Sobre a falta de difusão de livros e jornais portugueses na Galiza o Instituto Camões em Vigo e o seu presidente em Lisboa quando confrontados com o problema pelo Semanário Transmontano não fazem comentários. Deve ser que estão orgulhosos do seu trabalho.
Para terminar, gostaria de mencionar Carlos Drummond de Andrade:
"Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não me vêem, eu vejo.
E saúdo velhos amigos."