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Janela Indiscreta
 
sexta-feira, março 28, 2003  



Alphaville mistura cinema negro (Eddie Constantine e a sua pistola estão lá para o provar), com ficção cientifica, pernas de raparigas bonitas, semântica e poemas de Paul Éluard. O resultado poderia ser estranho mas a frescura do Godard dos anos 60 consegue a proeza de dar coesão ao filme e, ainda por cima, fazê-lo com graça.

Alphaville vive sob um regime totalitário nem de direita nem esquerda (digamos que reune características das duas e ainda lhe junta uma vertente semântico-neuronal), que despreza o presente, as emoções e as palavras. Lentamente, o léxico dos seus habitantes vai sendo reduzido e as suas vidas esvaziadas. Natacha faz um esforço para perceber as palavras de Paul Éluard na “Capital da Dor”.

A cidade é controlada por um supercomputador chamado Alpha 60 (interpretado por uma voz rouca), inventado pelo Dr. Von Braun (o pai da Natacha). Esta máquina é responsável pela “programação neurolinguística" que é uma espécie de lavagem ao cérebro que embrutece e aliena as pessoas. A máquina diz coisas deste tipo:

– In so called capitalism or communism, there is no such evil intention existing to oppress human through the use of power of ideology or materialism. Only natural intention of all organizations that seek to enlarge their own rational structure.
 
– Once we know the number one, we believe that we know the number two, because one plus one equals two. We forget that first we must know the meaning of plus.


Se quiserem podem ouvir a voz aqui aqui

O filme é todo ele muito recomendável mas destaco três cenas brilhantes:

Quando o Alpha 60 pergunta a Lémy Caution o que é que transforma a noite em dia ele responde: a poesia. É inesperada esta resposta, Lémy é um agente secreto e tem cara de ler apenas relatórios de serviço mas Godard baralha tudo e oferece-nos uma das melhores e mais líricas definições de poesia.

A coreografia das execuções. Os que vão morrer discursam (as palavras são o maior sintoma de liberdade em alphaville – e não só em alphaville... –) sobre uma prancha de piscina. As palavras deles são rebeldes e por isso são fuzilados. Os corpos caem na água e são recolhidos por uma ninfas aquáticas num bailado digno da Esther Williams.

E a última cena. Lémy Caution salva a rapariga e fogem juntos de Alphaville num carro (já não me lembro se é o ford galaxy do início). A custo, ela consegue dizer o que tem que dizer. É uma declaração de amor ou uma declaração de liberdade?

Ouvre tes ailes beau visage
Impose au monde d'être sage
Puisque nous devenons réels.

Paul Éluard


posted by Anónimo on 13:10


 
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