segunda-feira, fevereiro 17, 2003
Um universo construído em traços simples
A revista The New Yorker tem sido muito falada nos últimos tempos, por inspirar excessivamente quem a lê. É o que acontece quando se produz uma das melhores publicações do planeta, onde só entra a crème de la crème, tanto ao nível dos repórteres, como dos críticos, dos ensaístas ou, sobretudo, dos ilustradores. Ilustrar para The New Yorker significa, pois, um reconhecimento absoluto de qualidade, uma espécie de entrada no Panteão. O senhor de que hoje aqui se fala, Jean-Jacques Sempé de sua graça, faz parte dos eleitos. Ao longo da sua vida, assinou 72 capas para a revista americana e o seu traço é já uma marca subtil no nosso imaginário.
Infelizmente, a sua obra não conhece entre nós a divulgação que merecia. Em tempos, algum do seu trabalho foi dado à estampa pela editora D. Quixote, mas o final da sua colecção de BD humorística e cartoon conduziu ao eclipse de Sempé das nossas livrarias. Até agora. Numa iniciativa de que não é de mais realçar o mérito, a Asa lançou recentemente um álbum luxuoso, intitulado O Mundo de Sempé. Ainda que ele não possa ser considerado um bom resumo _ nem sequer uma amostra significativa _ da vasta obra do desenhador francês, é pelo menos um excelente exemplo da originalidade do seu traço e da profundidade e sofisticação do seu humor.
Nascido em Bordéus a 17 de Agosto de 1932, Sempé não possui nenhuma formação específica na área do desenho, mas as suas vivências de juventude, enquanto distribuidor de vinho ou soldado, foram suficientemente pitorescas para lhe apurar o humor. Colocando sempre o exercíco visual à frente do empenho laboral, Jean-Jacques acabaria por perceber que a sua vida estava condenada a ser gasta no meio do papel e da tinta e, com apenas 19 anos, largava os seus empregos sazonais para se dedicar apenas ao desenho. Os seus primeiros trabalhos foram publicados em 1951.
A primeira obra a atingir o grande público surgiria em 1954, graças à colaboração de René Goscinny, que convenceu Sempé a criar uma personagem. Assim nasceria Le Petit Nicolas, série que ainda se mantém fresca e popular. Com o correr dos anos, Sempé foi dedicando mais tempo à ilustração e ao cartoon, colaborando regularmente com o L'Express e com a Paris-Match.
Como explicar o extraordinário acolhimento do seu trabalho? Provavelmente, pela procura permanente da simplicidade. Embora o seu traço pareça fácil, e esteja muitas vezes à beira do esquisso, a verdade é que Sempé é capaz de desenhar 30 vezes a mesma imagem até encontrar o seu equilíbrio perfeito. Depois, o seu humor é extremamente subtil _ não há piadas fáceis, não há fórmulas recorrentes. O que existe é uma atenção permanente ao mundo, nas suas alegrias, nas suas tristezas e, sobretudo, num estado intermédio de melancolia, onde Sempé ergueu quase toda a sua obra.