O Fantasporto, festival de cinema cujo corpo vive ancorado no imaginário fantástico, é um espelho real do país: a edição de 2003 sofreu um corte orçamental de 40%. Hoje inaugura-se a semana de pré-abertura, no Teatro Rivoli, preparando terreno para a gala oficial da próxima sexta-feira.
Apesar de iludido um contexto que é nacional, o cenário em Novembro passado era sombrio – o Fantasporto atravessou uma das suas maiores crises em 23 anos, e a direcção chegou a ponderar a possibilidade de desistir, revelou Mário Dorminsky em entrevista ao JN. As réplicas podem, no entanto, ditar alterações futuras: uma parceria com Lisboa é um cenário a ponderar.
Mas, se a crise económica é concreta, o alcance artístico do festival reflecte esse rombo? Mário Dorminsky, director do certame, enfrenta o contexto: "Fomos obrigados a imaginar outras soluções". E, quase admitindo que foi a crise a espoletar no Fantas um clima de maior engenho programático, fixa a ideia: "A edição deste ano é mais atractiva. Para o público e para a crítica".
Não houve discriminação Com um orçamento global de 70 mil contos, o Fantasporto viu a Câmara da cidade reduzir o apoio anual de 8 mil contos para cinco mil. "Não houve discriminação. A contracção sente-se a todos os níveis", disse ao JN Marcelo Mendes Pinto, vereador com o pelouro da Cultura. "Não nos podemos endividar pelo Fantas, que sofreu uma redução de apenas 35% – o ano passado, os cortes foram de 60%", avisa. E conclui: "Entendemos que é um festival fundamental; promove a imagem do Porto no país e internacionalmente".
Dorminsky discorda do corte, mas concorda na projecção: "O Fantas nunca sairá do Porto; pertence à cidade".
Regresso ao fantástico? Eternamente conotado com o cinema fantástico – e toda a imagética popular de sangue e tripas –, o Fantasporto é, no entanto, mais sólido do que essa definição redutora.
O contexto deste ano apresenta a 13.ª Semana dos Realizadores (espaço de filmografias de autor), uma retrospectiva de novo cinema austríaco, um panorama de cinema português e a Secção Oficial Premiére (zona de antestreias comerciais, onde se inscreve "Solaris", de Steven Soderbergh).
Curiosamente, e apesar de, no passado recente, a direcção do festival ter encetado diversas tentativas de desapego em relação a esse imaginário monstruoso, o Fantasporto 2003 parece robustecer a sua linha original. "O chamado cinema fantástico está a dominar 60% da actual produção comercial das salas. Essa é a tendência", revela Mário Dorminsky, admitindo que o festival dá espelho daquilo que a indústria fabrica. "Mas temos muitos mais cinema do que aquele do sangue e do medo", avisa.