exclusivo cinema KING
Horários das sessões: diariamente às 13:30 - 15:35 - 17:40 - 19:45 - 21:50; 6ª feira, Sábado e 2ª também às 00:00
Alguns dariam a obra inteira de Elia Kazan pelo único filme realizado pela mulher, Barbara Loden. WANDA (1970) continua a ser um filme desconhecido apesar de oferecer o retrato mais perturbador do cinema dos anos 70, com as mulheres sob a influência de Cassavetes. Realizado com um pequeníssimo orçamento, sem luz, sem guarda-roupa (a personagem masculina a vestir velhas roupas de Kazan), com a ajuda de Nicholas Proferes, formado pelo cinema-verdade de Leacock, nos anos 60, que trata tanto da fotografia como da montagem, WANDA é um tiro sobre o romantismo glamouroso de Hollywood, um negativo violento de todos os Bonnie and Clyde do mundo. (...)
Ela é o tramp, o vagabundo, rejeitado pelas ordens sociais (o que lhe dá um poder crítico considerável: o burlesco) e forçada a viver uma vida à flor do sol, perto dos dejectos, sem domicílio fixo. Mas o tramp, o vagabundo, é pela primeira vez uma mulher. E isso muda tudo. (...) Wanda está longe de ser uma mulher contestatária, uma rebelde, que afirma os seus desejos de toda a independência. Este retrato complexo pulveriza as outras mulheres "libertadas" dos anos 70. (...) Com WANDA, tudo é muito mais complicado: ela parece livre e ao mesmo tempo comporta-se como uma verdadeira parasita. Ela agarra-se como pode aos homens com quem se cruza no caminho e torna-se um peso morto. E aí encontra o mestre, Mister Dennis (trata-o por "senhor" como uma criança), um looser, um ladrão desajeitado. (...)
WANDA não é indiferente, ela está simplesmente disponível. Ela flutua, espera que alguém lhe pegue (também sexualmente), espera que lhe confiem algo. (...)
Barbara Loden estava à frente do seu tempo: na inteligência, na denúncia da alienação feminina (Wanda só se pode definir em relação a um homem) e na sua exigência de inventar uma figura que não corresponde a nada que exista nem no cinema nem nos manuais de sociologia. Pois há um momento em que temos de nos render às evidências e dizer que Wanda nem sequer é uma mulher. Cada cena vem provar a sua nulidade, Wanda é uma pequena coisa sem utilidade. Ela faz-se à estrada porque não é boa em nada ("não sou boa", repete ela no filme). Ela é despedida do trabalho porque não é suficientemente rápida. Ela nem chega a ser "uma cidadã americana", diz-lhe Mister Dennis. Ela retirou-se do mundo dos vivos. (...)
Quem é WANDA? Apenas uma figura negativa? No one? A imagem final envolve numa auréola esta "singularidade qualquer" sem identidade, na linha dos anjos, dessas grandes figuras como Bartleby ou os hérois de Robert Walser. Duras não se enganou quando falou de "glória" nesta "queda"; nem Godard que vê "esplendor" nesta "miséria": na sua edição de "Histoire(s) du Cinéma sob estas duas palavras, ele põe lado a lado o rosto de Wanda e de Joana D'Arc de Bresson". A pequena Wanda é ao mesmo tempo uma alienada, uma idiota, uma mulher livre, um clown, um anjo, uma cadela. Na última sequência encontramo-la num bar, no meio de desconhecidos, eternizada com um cigarro na mão, a cabeça baixa. Gesto simples, de uma compaixão infinita. Wanda é uma santa.