Nenhum regresso está preso às pálpebras.
Explicam-me, por fábulas, que só o que resta
do Verão é sensível à luz - como as ombreiras das
portas ou o restolho batido pela impossibilidade
do vento - e eu acredito.
Alguma coisa há de verdade em tudo isto
[nenhum regresso está preso às pálpebras]:
olho por dentro do silêncio e o negrume
é nítido como um grito.
Não conhecia Belgais e o primeiro impacto foi castanho e negro. O que se sente entre árvores vivas não encontra um oposto exacto no que fica depois de um incêndio. O sol cai a pique e queima a pele e o céu é vasto, mas anda-se entre os restos de uma floresta como numa cidade cinzenta. Os passos são os mesmos, a respiração é igual. Não há choro onde antes havia riso. Os olhos, pesados, acompanham a terra e a concentração quotidiana, vocacionada para as coisas práticas, não sofre desvios - não se deixam a meio conversas onde as vozes e os cheiros que chamam são ausentes.
A menos que se teorizem revoltas e exílios, entre árvores queimadas tudo é simples: não se sente nada - o mundo deixa de falar e nós deixamos de ouvir.
Isto eu não soube durante a caminhada. Durante a caminhada só entendi a mudez. Mas depois, enquanto anoitecia, começou a música. E depois do jantar, quando as conversas diminuíram, a água, o vento e as laranjeiras voltaram a ouvir-se. E quando as luzes começaram a apagar-se, a noite cresceu e as vozes arrastaram-se, vindas de longe. E todas estas coisas trouxeram de volta o silêncio grande da floresta, aquele que só é possível entre as folhas das árvores, quando o vento cessa, o silêncio do mundo que fala, onde o tempo pode ser interrompido.
Nenhum regresso é possível, o mundo é que parece teimoso e continua. Assim o rafeiro castanho conseguiu entrar na sala e instalou-se no sofá, ao comprido, a suspirar de prazer; e, como em qualquer noite de Verão, mesmo no fim, soou a guitarra; e há plantas novas, verdes e luminosas, entre os troncos carbonizados de Belgais.